sábado, 14 de junho de 2008

O Cheiro

Ele não gostava muito de transportes alternativos. A pressa, porém, fez com que ele tomasse a primeira van no sentido de sua casa. Eram só ele e o motorista, mas não quis sentar-se na frente. Sabia que o motorista ia puxar papo e ele não era, definitivamente, do tipo sociável.
Um ponto a frente foi deposto do seu reinado solitário no banco dos passageiros. Cinco pessoas adentraram para acompanhá-lo na viagem. Acomodaram-se todos nos primeiros bancos, apertando-o, já que ninguém se prestou a ir aos bancos do fundo. Ele teria ido se soubesse. Agora era tarde demais.
Irritado, procurou pensar em outras coisas e ignorar as pessoas a sua volta. Contudo, um cheiro estranho foi se apossando aos poucos de suas narinas. Um odor desagradável que ele não conseguia identificar nem comparar com nenhum outro odor.
Olhou bem a moça ao seu lado. Parecia ter uns 28 anos, cabelo com pedaços loiros e castanhos, típico das mulheres que tingem o cabelo e deixa que as raízes vão crescendo na cor natural, esquecendo de renovar a tintura. Não parecia vir dela o cheiro. Ao lado da moça de cabelo bicolor, um garoto que não devia ter mais do que 16 anos e provavelmente era office boy, cheio de papéis na mão, mp3, fones no ouvido e o gorro da blusa na cabeça. Sim, poderia vir dali o cheiro.
De frente, bem a sua frente, uma morena linda. Olhava perdidamente pela janela. Ele queria que ela olhasse para ele. Mas era como se ele não existisse. Dela, só poderia vir algum cheiro bom, não se odor que já irritava as narinas.
Uma senhora, bem velhinha, com roupas de frio, apesar de um clima abafado, estava sentada entre a morena e um rapaz de terno que aparentava meia-idade. Dentre todos os passageiros, apostou na velhinha. Só poderia vir dela esse odor.
Estranhou o fato de todos parecerem tão compenetrados em seus pensamentos e nenhum dos passageiros aparentar estar se incomodando com o cheiro. Ele fazia esforço para não ter que tapar o nariz com a blusa. O cheiro já lhe dava náuseas.
O homem de terno e a moça do cabelo bicolor desceram da van. Já tinham sido praticamente descartados como candidatos a donos do odor. E, como ele já previa, o cheiro continuou. A velhinha desceu no ponto seguinte. Pronto, agora esse cheiro ia embora com ela. No entanto, o seu nariz continuou a não suportar o que lhe chegava às narinas.
O boy era sua segunda opção. Esboçou uma cara feia na direção do garoto, mas a música nos ouvidos não o deixava prestar atenção em nada que os outros sentidos percebiam. Talvez por isso não percebesse o próprio cheiro.
O boy foi o próximo a descer. E, para seu terror, o cheiro continuou. A morena linda! Como as aparências enganam. Ficou triste de verdade. Poxa, porque ela cheirava assim? E o que era aquele cheiro que era tão horroroso, contudo não era exatamente fétido nem putrefato, nem azedo nem enfumaçado?
Há momentos atrás ele até aceitaria casar com ela. Tentou se distrair do cheiro buscando um olhar dela na sua direção. Tanto esforço e ela cheirava tão esquisito.
A morena linda desceu sem chegar a olhar na sua direção. Porém, não levou consigo aquele cheiro. Coisa estranha. Se não era ela quem cheirava assim e não poderia ser a van ou motorista já que quando entrou não sentiu o cheiro, quem é que estava exalando algo tão ofensivo às narinas?
Foi então que caiu em si e, deixando-se de perder entre julgamentos e reflexões, concentrou-se apenas em tapar o nariz com a blusa e esquivar-se de seu próprio cheiro.

4 comentários:

Unknown disse...

Excelente reflexão Simples Cidadão.

Tati Domiciano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

obrigado daniel...sempre gentil...

gozado eu não exclui nada! rss
queria saber que cometário era esse!

Tati Domiciano disse...

Ops... fui eu que exclui o comentário... mas eu comento de novo...

Concordo com o Daniel, foi uma excelente reflexão! Muito inteligente! :)

Bjo, Tati