terça-feira, 27 de maio de 2008

Pra quem está em São Paulo

Hoje acontece o II Debate Jornalirismo, às 19h30, na Fnac Pinheiros. Os convidados deste ano são Luis Nassif, Pedro Doria, Maurício Eça e Sérgio Vaz, debatendo o tema: "Como se forma a opinião pública no Brasil, hoje?"
A entrada é gratuita, gente. Vamos lá!

domingo, 25 de maio de 2008

Existe muita gente na favela?

Texto: Tati Domiciano

“Mamãe, porque aquele menininho está sem sapatos e oferecendo chicletes?”, pergunta o menino. Junto com a mãe e a babá eles caminham bem atrás de mim. Percebi, com uma rápida olhada para trás, que eles tentavam me passar pelo outro lado da calçada. Neste momento, fiz um pequeno movimento para a esquerda – afinal, não poderia deixar eles me ultrapassarem sem ouvir o que a mãe ia dizer ao pequeno. E a resposta veio rápida. “Ele é um menino pobre. Por isso está sem sapatos e vende bala”, tenta finalizar a mãe.

Querendo mostrar toda a educação que lhe foi dada na escola particular o menino responde: “Se ele me oferecer o chiclete eu aceito”. A mãe, mais do que rapidamente, explica que ele não pode pegar o doce porque o menino o está vendendo. “Aliás, mamãe, como tem gente vendendo coisas nesta rua! Tem sempre gente pra comprar?”. Confesso que fiquei surpresa com a pergunta e também ficou a mãe, que, inutilmente, tenta acabar o assunto. “Sim, filho, as pessoas sempre estão dispostas a comprar alguma coisa”. A conversa estava interessante, então diminui o passo.

Como uma folha de papel, que faz cortes superficiais, mas doloridos o menino faz outra pergunta. “Então por que ninguém compra o chiclete que o menino tá vendendo?”. A mãe respira fundo, pelo som da voz parece que conta até dez, e outra vez tenta por um ponto final naquela conversa sem sentido (pelo menos para ela). “Não sei, mas deveriam comprar, pelo menos assim ele voltaria para a favela”. Agora, sem saber, a mãe entrou numa área confortável para crianças da idade do filho dela. É uma fase, inúmeras vezes explicadas por especialistas, em que as crianças querem saber tudo, descobrir o mundo. “O que é uma favela?”, ataca o pequeno sábio. “É onde os pobres moram e não é um lugar bom. Por isso você tem que dar valor ao que tem e comer toda a comida que a mamãe coloca no prato para você”. Esta foi a tentativa da mãe de entrar num assunto que ela domina, ou tenta dominar: fazer o filho comer toda a comida. “Mas eu como tudo mamãe”, e agora ele estava zangado.

Vinte segundos de silêncio. Outro golpe certeiro para a mãe. “Existe muita gente na favela?”. Surpreendente mais uma vez. Crianças estão sempre abertas para o conhecimento. Por que deixamos esta fase para trás? Para abrir um parênteses e citar Nietzsche e Schopenhauer, sentimos falta das maravilhas da infância porque esta é a única época despreocupada, sem lembranças do passado. Schopenhauer completa afirmando que nesta fase o cérebro já funciona plenamente e por isso é chamada de época da inocência e da felicidade.

Enquanto pega o filho no colo a mãe só sabe balançar a cabeça e responder repetidamente “sim, sim, sim, sim”. Não consegui mais fazer com que eles permanecessem atrás de mim. Só pude acompanhar o menino de perguntas inteligentes se perder no meio da multidão enquanto a mãe continuava a balançar a cabeça. Tudo foi resumido num simples “sim, muita gente mora na favela”. A mãe preferiu não perder tempo e explicar para o filho que vivemos um tempo de conceitos invertidos. O centro há muito foi tomado pela periferia e se tornou a periferia da periferia. Ela preferiu não explicar que grande parte dos moradores da favela vive com menos de 300 reais por mês. Preferiu ignorar o fato de que apenas 15% da população que vive hoje na periferia deseja deixar a favela. Ao vendar seus próprios olhos a mãe também tira do filho o direito de enxergar o mundo como é.

“É preciso ter o caos dentro de si para dar origem a uma estrela bailarina”, Nietzsche em Zaratrusta.

Parece utópico, mas ainda me soa como possível...

Marcus Desimoni / UOL
Texto Daniel Faria

Reflexões


O feriado ponte é de Corpus Christi, porém o assunto mais comentado do final de semana não são os tapetes da procissão de quinta-feira passada, e sim a 12ª Edição da Parada do Orgulho Gay, que acontece na Avenida Paulista, em São Paulo.

O evento que foi antecipado em um mês pretende entrar mais uma vez para o livro dos recordes, como a maior marcha em defesa dos direitos dos homossexuais, bissexuais e transexuais do mundo.

DIREITOS E RELIGIÃO - O objetivo dos participantes é lutar por um Estado Laico de Fato, mas acho complexo falar em estado Laico, num país moldado e construído dentro dos princípios católicos apostólicos romanos. Mas a coisa parece que está caminhando, para quem corre atrás de seus direitos. É claro. Até porque como diria um ex-professor: “A justiça não protege o dorminhoco.”

Você pode até dizer que o que vale é a lei dos homens, mas o ranço do pecado, da devassidão, da Sodoma e Gomorra ainda está enraizado na cultura do brasileiro, que segue os dogmas cristãos. Esse sebo histórico é responsável inclusive pela difusão do preconceito e da homofobia.

Durante a visita do Papa Bento XVI, em maio do ano passado, o presidente Lulla reafirmou a importância do Estado Laico. Enquanto isso, o Papa pregava a castidade antes do casamento, além de condenar o uso de métodos anticonceptivos. Na contramão, o Ministério da Saúde fazendo seu papel de estado, lançava mais uma campanha de controle da natalidade (sou totalmente a favor).

Porém, a mesma Igreja que condena está envolvida em casos de pedofilia e de abusos sexuais cometidos por clérigos contra freqüentadores das comunidades cristãs. Enquanto ela recrimina e segrega, outras religiões e seitas incluem. Com isso, perde mais um número considerável de fieis que buscam conforto, em que os vê como indivíduos e não apenas como uma ovelha desgarrada ou temporariamente perdida nas trevas da pederastia.

PARADA – Os comentários que ouvi a respeito da parada estão longe da militância sugerida pelas campanhas de divulgação. Uns relatam o número de pessoas que beijou, outros os “amassos” e as passadas de mão que levou. Poucas falas defendem de fato a causa. Entre elas, a tão sonhada união entre pessoas do mesmo sexo. Como dizem por aí, os que gostam de generalizações: “Ninguém quer casar.” Então o que querem?

POLÊMICAS – Roubos, furtos, brigas e consumo em excesso de bebidas alcoólicas e outros tipos de drogas e entorpecentes estão entre os principais pontos negativos da muvuca, que se forma no trajeto em que acontece a parada. Imagino que deve ser complicado controlar a famosa “elza”, ainda mais no meio de tantas ofertas de consumo 0800.

OPINIÃO – A drag queen Nany People declarou num programa de TV, que não aceita convites para participar da parada e ainda classificou o evento como uma micareta, em que homens vestidos de general saem de suas cidades de origem, para virar rainha e aprontar todas na capital paulista e depois voltam para suas residências como se nada tivesse acontecido. A vida continua...

TURISMO - O fato é que a Parada Gay se tornou um evento do calendário oficial da cidade de São Paulo, que de tão rentável, foi tirada do gueto e promovida a patrimônio cultural do estado. Além de servir como plataforma política, fonte de renda informal, carnaval fora de época, evento de família e afins.

UTÓPIA – Se dentro do mundo capitalista existe o rico e o pobre e a miséria como personagem coadjuvante do acúmulo de riquezas, como acreditar no Estado Laico? Como construir uma sociedade que respire liberdade, igualdade e fraternidade? Como encarar as diferenças de escolha com naturalidade?

Parece utópico, mas ainda me soa como possível...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Festival da Mantiqueira

Texto: Tati Domiciano

Não sei se todos estão sabendo (eu só descobri hoje) que no próximo fim de semana (30/31 de maio e 1 de junho) acontece o Festival da Mantiqueira.

O tema é "Diálogos com a Literatura" e será realizado em São Francisco Xavier, uma cidadezinha linda, pertinho de São José dos Campos.

Diálogos com Milton Hatoum, Marcelo Rubens Paiva, Mario Prata, Fernanda Takai, Nelson Motta e outros...

Shows com Fernanda Takai, Sinfônica de São José dos Campos e outros.

Toda a programação é gratuita. Mais infos no site cultura.sp.gov.br

Eu proponho um encontro entre os colaboradores do Menta Rosa, que tal?

Para quem for, não deixe de conhecer o Photozofia (www.photozofia.com.br) um café super bacana que fica pertinho da Praça, onde acontece o Festival.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sobre a cegueira, o incômodo e os transeuntes do Terminal Barra Funda

Semana passada, andando pelas lojas e lanchonetes do metrô Barra Funda, fui abordada por uma senhora de meia-idade. Num primeiro momento, não consegui dirfarçar minha irritação por estar com pressa e por imaginar que ela me pediria esmola.
Pois é, ela me pediu esmola. E por ter acabado de sair do hospital após um derrame, demorou uns minutos para explicar sua situação. Com os traços do rostos deformados e um olhar desesperado,me contou que não tinha como almoçar e tampouco voltar para sua cidade. Enquanto aquela senhora falava, eu não a olhava; observava, com os olhos curiosos da semi-turista que veio de Minas Gerais, a multidão que passa pelo Terminal Barra Funda todos os dias, dentro ou fora do horário de pico. Uma multidão apressada, desesperada para ir ou voltar. Uma multidão portadora de uma cegueira branca, como diria Saramago.
Livre dessa minha cegueira por alguns segundos, ofereci à mulher algum trocado e uma maçã e me lembrei do curta-metragem Ilha das Flores, do Jorge Furtado. A ficção, vestida de documentário, aborda de maneira ácida e ao mesmo tempo sutil todo o ciclo da produção de capital da vida moderna, usando de cenário um lixão localizado na periferia de Porto Alegre e de narração a interpretação irônica do ator Paulo José.
Em Ilha das Flores,onde convivem uma comunidade carente e uma criação suína, parte do que sobra da alimentação dos suínos vai para o lixão de Flores e é aproveitada por essa população. A ficção se transforma em realidade quando, por pressa ou pela tão prática e confortável cegueira, ignoramos aqueles que foram abandonados. Todos os dias os comedores de lixo de Ilha das Flores estão lá, nas ruas, nos transportes públicos, nas favelas.
Teóricos acadêmicos e políticos estudam e discutem há séculos como tirá-los de lá; jornalistas, com suas câmeras, fazem fotos p&b dos mendigos da Sé e colocam em seus espaços virtuais; cidadãos comuns dão suas moedinhas (para dormirem bem à noite).
O que há de diferente hoje - e que espero que seja uma tendência - é que eu e os jovens que conheço já cansamos de brincar de fotojornalismo social, de fazer textinhos bonitos para tirar 10 com a professora e de dar moedinhas para tentar ter um sono mais leve. Não acho que passaremos de revolucionários de sofá para ativistas convictos, mas é fato que o incômodo que sentimos só aumenta. E acho que o incômodo impulsiona, de certa forma.

Para quem ainda não viu Ilha das Flores:


Parte 1:



Parte 2:



E esse foi meu post de estréia por aqui. Aproveito para deixar meu 'oi' para meus colegas de blog e para o Diego, amigo de infância que me chamou pra vir pra cá. :)

Ham?


Texto Daniel Faria


REFLEXÕES


Na última quarta-feira estava fazendo minha caminhada como de costume. Em uma das voltas passei por três crianças que conversavam no playground. Enquanto balançavam o garoto mais velho [aproximadamente 7 anos] dizia para os outros dois [um menino de uns 6 anos e uma menina beirando os 5 ou 6].

- Eu não como (0) de menino, só de menina!

Simplesmente olhei pra eles e fiz aquela cara de Ham?

Continuei caminhando...

Na outra parte da pista uns garotos tiravam um racha no gramado e dois pirralhos [6 anos no máximo] assistiam de pé sobre um dos bancos a disputa pela posse da bola entre as duas equipes. Quando passava por um deles ele gritou:

- Oh! Seu fedaputaaaaaaaaa, cuzãoooo chuta essa bola caralhoooooooooooo!!!

Ham?


PS. Será que estou ficando velho, ou os pais estão perdendo a cada segundo a noção do que é educação? Não estou querendo ser careta até porque futebol e palavrões caminham juntos. Mas uma criança que berra um xingamento com o mesmo prazer que masca um chiclete reflete pura e simplesmente o ambiente em que é criada e transmite para as outras crianças a sua cultura, o que é pior.

Nesse caso nem há uma troca construtiva de informações e sim a manutenção de hábitos e a perpetuação de rótulos clássicos como o do machista e o da mulher submissa. Em resumo, uma cultura de pobreza que alimenta a violência contra as mulheres e as próprias crianças.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Cinco álbuns essenciais de Bruce Springsteen

[Texto por Fernando Lalli. Adaptado e atualizado do já publicado originalmente no Cràse E-Zine]

O ano é 1995, tenho 13 anos, estou no centro de São Paulo e acabo de comprar meu primeiro walkman. Custou 20 reais, com o fone. Ganhei as pilhas de brinde. Ainda sobravam 10 reais dos R$30 que minha avó havia me dado de presente de aniversário. Passo em frente ao Mappin – sim, aquele grandão do centro que não existe mais – e vou direto à seção de fitas K7, CDs e vinis [sim, eles coexistiam]. Um ano antes, estourara nas rádios a famigerada “Streets Of Philadelphia”, mas eu não sabia o nome de quem cantava, nem o nome da música em si. Pois então surge na Globo o reclame do lançamento nacional da coletânea Greatest Hits de Bruce Springsteen. E toca “Streets of Philadelphia”. Ah, ok, esse é o cara. O mesmo cara de costas no poster que ornamenta uma das paredes naquela seção do Mappin. A fita custa exatamente dez mangos. Não tenho dúvidas em levá-la – ainda que sob o alerta da minha mãe, dizendo que não iria me dar mais nenhum dinheiro naquela tarde.

No ônibus, com a família, de volta à casa do meu padrinho que nos hospedava, coloco a fita no walkman e espero ouvir “Streets of Philadelphia”. Ao invés do baladão moldado para as adult radios, a primeira canção que vem aos meus ouvidos é “Born To Run”. Depois, “Thunder Road”, “Badlands”, “The River”, “Hungry Heart” e “Atlantic City”. Que seqüência! Até hoje, lembro exatamente como aquelas seis canções me atingiam. Eram PEDRADAS NA MINHA CARA. Não consegui esboçar nenhuma reação. Era a trilha sonora perfeita para aquele cenário de quase fim de tarde, no meio da capital. Nunca tinha ouvido nada parecido; músicas que soassem tão... tão... tão SÓLIDAS. Seis canções: o tempo exato para que chegássemos ao nosso ponto. Provavelmente eu já era uma pessoa diferente quando desci daquele ônibus. Mais criterioso com relação às merdas que ouvia, sem dúvida.

Viajei para Taubaté, naquela noite, com a fita no walkman, não dividindo com ninguém o que acabara de descobrir. Quando veio a vez de “Streets of Philadelphia”, a 14ª música, tive nada além de uma breve satisfação. Tinha perdido completamente a vontade de ouvi-la. O verdadeiro ouro já havia sido encontrado. Nunca tinha ouvido emoção ser traduzida em música sem os artifícios fáceis do molde radiofônico. Dane-se o que ele estava cantando: não precisa ser nenhum expert em inglês para saber do que são feitas as canções de Bruce. Ele traduz tudo com sua voz rouca e uma melodia tão característica e forte que definiu todos os padrões do dito “rock americano”. Sempre que me deparo com a fita, em meio a milhares de outras que ainda permanecem nas gavetas do meu quarto, lembro de cada detalhe daquele dia.

É mais ou menos isso o que Bruce Springsteen e sua maravilhosa E Street Band fazem com você: eles marcam a sua vida indelevelmente, se é que esse advérbio existe. Ou talvez eu só tenha visto o mesmo que Jon Landau em 1974. “I saw rock and roll future and its name is Bruce Springsteen”.

Eis cinco discos essenciais para, quem sabe, salvar a sua vida nalgum dia desses.


Born to Run
Lançamento: 25.08.1975
Nota: 10

Terceiro álbum de Bruce. Em uma palavra: arrebatador. Um disco que abre o lado A com “Thunder Road” e o lado B com “Born to Run” – duas das maiores canções de rock de todos os tempos – que, além disso, compunham o que muitas listas elegeram como o melhor compacto de todos os tempos. Com relação aos dois primeiros álbuns [Greetings From Astbury Park e The Wild, The Innocent & The E Street Shuffe, ambos de 1973], Bruce muda a formação de sua banda de apoio, recém-batizada como E Street Band: entra o fantástico Max Weinberg na bateria, elemento crucial na virada da carreira do Boss. Bruce soa mais vibrante do que nunca em melodias épicas, reforçadas pela produção inspirada no wall of sound de Phil Spector. As letras, se cometiam exageros românticos, contagiam pela sinceridade, pela urgência com que Bruce canta histórias de personagens comuns da classe operária americana – aquela mesma que sustenta o “sonho” dos yuppies. “Porque lixo como nós, baby, nasceu para correr”, brada a faixa-título. “Thunder Road”, e sua melodia que não pára de crescer um segundo durante todos os seus cinco minutos de duração, mereceu um capítulo especial em 31 Canções, livro de Nick Hornby. “Jungleland” é o épico que Bruce tentou fazer antes com “New York Serenade” – e agora acertava em cheio. As aventuras nas searas da black music renderam seu soul definitivo: “Tenth Avenue Freeze-Out”, onde brilha o carismático saxofonista Clarence Clemons. Born To Run fez Bruce ser capa, na mesma semana, das revistas Time e Newsweek. Um disco obrigatório em qualquer coleção de rock. Mas, como não tem a edição nacional, vale o mp3, fazer o quê...

Sucessos: “Born To Run”, “Thunder Road”, “Tenth Avenue Freeze-Out”, “Jungleland”.
Melhores faixas: Todas.
Pior faixa: Nenhuma.
Preferida: “Thunder Road”. Ou “Born To Run”, dependendo do lado que a moeda cair.



Darkness on the Edge of Town
Lançamento: 2.06.1978
Nota: 10

Quarto álbum de estúdio de Bruce. Não se engane pelo começo vibrante da primeira faixa do disco, “Badlands”. Bruce está PUTO. Pudera. Uma pendenga na justiça americana com seu ex-empresário lhe impôs um silêncio de três anos sem poder gravar absolutamente nada. Na maioria das músicas, não há uma linha sequer desprovida de rancor. Na própria “Badlands”, ele relata: “Fui pego num fogo cruzado que eu não entendo/ [...] Querida, eu quero o coração, eu quero a alma, eu quero o controle agora mesmo”. Versos que exemplificam, por eles mesmos, como o imbróglio judicial afetou sua vida. Apoiando a maioria dos arranjos no piano [até a paulada “Candy’s Room” é baseada no instrumento], Bruce faz de Darkness... o contraponto a Born To Run: há resignação no lugar da urgência, amargura ao invés da esperança. A faixa-título, que encerra o álbum, é um espetáculo: um começo melancólico que logo explode em raiva e deságua num refrão cinemascópico – tudo isso em poucos segundos. “Racing In The Street”, por sua vez, é considerada por muita gente como a melhor balada do repertório de Bruce. Ofuscado na discografia por seu predecessor, preterido em coletâneas e subestimado até mesmo por fãs, Darkness on the Edge of Town é o disco mais coeso, classudo e bem acabado de Bruce.

Sucessos: “Badlands”, “Prove It All Night”, “Darkness on the Edge of Town”, “Racing in the Street”.
Melhores faixas: Todas.
Pior faixa: Nenhuma.
Preferida: “Darkness on the Edge of Town”. Ou "Candy's Room". Ou "Streets Of Fire". Ou...



Nebraska
Lançamento: 20.09.1982
Nota: 9

Sexto disco de Bruce. O que fazer quando as versões demo das músicas soam melhor que as versões finais? Simples: lançar as próprias demos. Foi isso o que aconteceu nos estúdios da Columbia em 1982: Bruce aportou com uma fita em mãos, gravada no porão de sua casa, numa mesa de quatro canais, só com violão, voz e gaita, cuja crueza nunca conseguiu ser reproduzida a contento. Aqui, Bruce canta como um andarilho bêbado e maldito, à beira da estrada, tocando um violão velho para si mesmo. Algumas histórias fazem Johnny Cash parecer o Belle & Sebastian: “Eu a vi no gramado, passando batom nos lábios/ Saímos para passear, senhor, e dez pessoas inocentes morreram”, são os versos que abrem o disco, na faixa-título. Tem mais: um policial que persegue o próprio irmão criminoso [“Highway Patrolman”]; um homem que não consegue emprego e resolve fazer “um pequeno favor” para um estranho [a fantástica “Atlantic City”]; um condenado a 99 anos de prisão que durante seu julgamento suplica pela pena de morte [“Johnny 99”]. Quando não fala de crimes e outras desgraças, faz chorar como na história de um filho arrependido que volta à casa do pai e encontra apenas uma estranha morando nela [“My Father’s House”]. Nenhuma outra estética seria mais adequada a Nebraska do que a rusticidade, a escuridão das melodias enterradas em seu registro acústico lo-fi. Como ficou provado na versão “elétrica” de “Atlantic City”, que apareceu em registros ao vivo: ela não causa nenhum arrepio. O disco, esse sim, dá um puta frio na espinha.

Sucessos: “Nebraska”, “Atlantic City”, "Reason To Believe".
Melhores faixas: “Nebraska”, “Atlantic City”, “Highway Patrolman”, “My Father’s House”.
Pior faixa: “Open All Night”.
Preferida: “Atlantic City”.



The Rising
Lançamento: 30.07.2002
Nota: 8

12º álbum de estúdio e 18º lançamento oficial da carreira de Bruce. Havia sete anos que "The Boss" não lançava nada novo, exceto por duas faixas inéditas no disco ao vivo Live In New York City. Em 11 de setembro de 2001, no ataque ao World Trade Center, o bairro onde Springsteen nasceu e foi criado em Nova Jersey perdeu mais de 150 moradores. Se isso já não era motivo suficiente para fazer música, Bruce passou dias ligando para as famílias das vítimas do atentado. Com toda a moral de ídolo do americano comum e trabalhador, ele podia fazer isso sem ser chamado de oportunista. Então, reuniu novamente a E Street Band e em menos de um ano estava pronto The Rising, que devolveu Bruce para as rádios americanas depois de mais de uma década - num momento em que tudo o que elas precisavam era de músicas de esperança e redenção cantadas pelo mestre nesse estilo. Em "Into The Fire", uma referência óbvia aos bombeiros que trabalharam no resgate das vítimas, Bruce canta: "eu ouvi você me chamando, mas então você desapareceu na poeira [...]/ que sua força nos dê força/ que sua fé nos dê fé/ que sua esperança nos dê esperança/ que seu amor nos dê amor". Um disco cujo único defeito é justamente a produção séria demais: mal se ouve o sax de Clarence Clemons, marca registrada dos arranjos da E Street Band. Porém, sem esse toque, digamos, "sombrio", que permeia o álbum, a faixa-título ["A Ascensão"], no final do disco, nunca viria com tanta força, capaz de arrebatar yuppies e afegãos, que fala justamente sobre... Bem, leia você mesmo. Só o Van Morrison fez algo parecido.

Sucessos: “The Rising", "Waiting On a Sunny Day", "Lonesome Day".
Melhores faixas: “The Rising", "My City Of Ruins", "Lonesome Day", "Counting On a Miracle".
Pior faixa: "Empty Sky".
Preferida: “The Rising".



Magic
Lançamento: 2.10.2007
Nota: 9

15º álbum de estúdio de Bruce. Talvez eu nem devesse indicar esse disco aqui, já que nele há milhares de referências aos discos mais famosos de Bruce lançados nos anos oitenta [Born In The USA, The River], o que deixa a bolacha mais saborosa aos iniciados. Tudo o que faltou em personalidade "springstiana" a The Rising está aqui com juros corrigidos - e, de bonus, cheiro de anos 70 por todas as partes. "Girls In Their Summer Clothes" e "Long Walk Home" são músicas que se equiparam fácil aos grandes hits da época de ouro de Bruce. O vibrante solo do figuraça Clarence no meio do single "Radio Nowhere" não deixa dúvidas: aos 57 anos, a E Street Band e seu comandante estão tinindo. Precisam estar, afinal, pois se a missão em 2002 era levantar o moral dos americanos, agora a motivação é retratar toda a frustração com o [des]governo George W. Bush, municiados de ironia pesadíssima. Versos aleatórios: "você não consegue dormir à noite [...]/ seu maior inimigo pessoal está vindo apara a cidade". Mais: "foi como quando nos beijamos/ o sabor de sangue em sua língua [...]/ acordei no dia da eleição/ céu de pólvora e matizes de cinza". Mais? "We rode into the foothills, Bobby brought the gasoline" [got it?]. Mais ainda: o título do disco foi tirado da idéia que "vivemos em uma época em que qualquer verdade pode ser transformada em aparente mentira, e em que qualquer mentira pode ser transformada em aparente verdade", segundo o próprio Springsteen. Magic é uma aula de como se fazer um disco politizado sem apelar para versos fáceis de revoltinha adolescente nem usar camisa do Che Guevara.

Sucessos: “Radio Nowhere", "Long Walk Home", "Girls in Their Summer Clothes".
Melhores faixas: "Your Own Worst Enemy", "Girls in Their Summer Clothes", "Long Walk Home", "Last To Die".
Pior faixa: Nenhuma.
Preferida: "Your Own Worst Enemy".

[Quem manja um pouco mais de inglês pode saber mais sobre Bruce Springsteen na Wikipedia.]

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Uma questão de ponto de vista

Texto: Tati Domiciano

Oito e meia da manhã. Céu fechado. Nenhum facho de luz. Tênis nos pés, sapato na bolsa e pouca disposição pra começar o trajeto. “Bom dia Francisco!”, digo. “Bom dia Tatiane! Tá levando o guarda-chuva? Hoje vai chover”, ele responde. -- E quando que não chove nesta cidade? – eu penso. Um passo de cada vez e o caminho se descortina na minha frente. Alameda Tietê, Alameda Lorena, Rua Oscar Freire, meu destino.

“Bom dia, Tati! Bom trabalho pra você”. Esse é o Roberto, segurança de uma das lojas nababescas deste shopping a céu aberto. Diminuo o ritmo. Ainda não conheci ninguém que se interesse tanto pela conversa alheia como eu. Ainda à paisana e de jornal nas mãos, outros dois seguranças discutem. “O pai matou a Isabella”, diz um. “É, mas primeiro foi a madrasta. O pai foi quem jogou a menina pela janela”, responde o outro. “Ainda bem que estão na cadeia”, finaliza o primeiro. Fico contente com esta cena. Não pelo assunto que eles discutiam, mas porque eles tinham informação nas mãos.

Cruzo a Rua Bela Cintra. Agora, umas cinco garçonetes, de um badalado café, conversam sentadas na porta da loja ainda fechada. “Putz, preciso fazer a maquiagem, você tem batom aí?”. “Tenho um maravilhoso que acabei de comprar”. Mulher é mulher... Passo pela Haddock Lobo. Em frente a cada loja, nos bancos de design contemporâneo, os funcionários parecem se acomodar. Tiram os tênis e revelam os sapatos escondidos nas mochilas (ufa! Não sou a única). Empregadas – que só podem ser identificadas porque usam aquele uniforme – passeiam com os cachorros, provavelmente da patroa, já que está muito cedo pra ela mesma sair com seu bichinho de estimação.

Atravesso a Augusta e é no próximo cruzamento, Alameda Ministro Rocha, que encontro com esta senhorinha. “Eu não vou atravessar deste lado porque ainda sou jovem pra morrer e tenho meus filhos pra cuidar”, fala sozinha. Ela é pequena, pele marcada pelo tempo, cabelos brancos enrolados num coque meio displicente, óculos grandes. Carrega três sacolas de supermercado e uma bolsinha, que eu deduzo seja onde ela guarda o dinheiro. “Vamos atravessar do outro lado porque ali o sinal fica fechado para os carros”, respondo para ela. E este foi o ponto de partida da conversa. A senhorinha me fala que acordou cedo porque a patroa queria tudo fresquinho para o almoço. Conta que a patroa está relutante em lhe dar os 200 reais de aumento e que já faz algum tempo que ela não consegue ir pra casa. “Você sabia que ela me conheceu lá no Hospital das Clínicas? Eu ia trabalhar só dois meses nesta casa, porque ela sofre de depressão, agora já faz dois anos que estou lá e ela não quer me dar um aumento?”, reclama a senhorinha com uma feição doce e dura ao mesmo tempo. Ali, decidi que eu seria apenas uma ouvinte. Ela precisava falar com alguém e eu, sem titubear, cedi meus ouvidos. Ela me deixou na porta do escritório e agradeceu pela paciência. “Desculpe te encher com meus problemas e obrigada pela companhia”, ela disse e saiu.

Ah, como eu gosto da Oscar Freire nas primeiras horas da manhã! No fim do dia a rua é outra. Toc, toc, toc. Saltos de grife martelam as calçadas, bolsas de marcas européias flutuam entre as pessoas. Os bares estão lotados e os bancos, que antes acomodavam os funcionários, agora servem de apoio para sacolas de compras. Buzinas e intermitentes buzinas. A madame decidiu parar o carro no meio da rua para o manobrista ir buscar e a madame atrás não tem paciência para esperar. Buzina novamente. Blá blá blá. Burburinho. O cão late em busca de atenção do dono (sim, porque depois das sete é status levar o cachorrinho pra passear). Onde está toda a calmaria? Parece outro mundo. Por sorte, amanhã é um novo dia. E eu espero encontrar a senhorinha novamente.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O POP NÃO POUPA NINGUÉM!

O Pop não poupa ninguém

- Pô mano, ce toca violão. Toca uma pra mim!
- Estou cansado dessa piadinha já!
- Hehehe. De boa. Mais toca uma música da hora aí!
- Do que você gosta?
- Ah! Qualquer coisa. Menos música ruim né!
- Mas assim fica dificil. O que é música ruim?
-Ah! Ce sabe. Pagode, aquelas coisas do nordeste. Música de corno!
-Hum. Sei lá cara. Eu vou tocar Legião Urbana então.
-Qual?
- Pais e Filhos, pode ser?
-Pô meu. Essa é batida hein cara. Todo mundo toca isso.
-Então, sei lá, que tal Teatro dos Vampiros?
-Essa já foi da hora. Mas teve aquele acústico. Agora todo mundo conhece. Ficou chata.
-Que música deles você gosta?
-Ih cara. Eu só ouço aquela música que ninguém conhece. A "Feedback Song For a Dying Friend".
-Eu conheço essa música. Mas não sei tocar.
-Conhece? Então nem toca.
-Mas ce quer que eu toque o que então caramba?
-Meu, eu ia pagar pau se você tocasse Andarilhos Psicodélicos.
-Putz. Nunca ouvi falar dessa banda. De onde é?
-Cara, ce tem que ouvir. São lá do interior do Espirito Santo.
-E como é música desses andarilhos sei lá o que?
-Pô cara. É um lance assim meio sem definição. É um rock, bem pesado tipo trash. Mas tem influência de Pink Floyd e uma pegada bem hard core assim. E as letras falam de amor assim. Mas não é emo!!
-Mas que música eles tocam. Canta aí um pedacinho porra!
- O meu. Vamos ver. Tem uma da hora que é assim "você comeeeuu...meu coração com alface...vermelho e verde...como se não se importasseeee..e o céu....desabasseee....lágrimas...lágrimasss!!"
-Ah. Eu ouvi essa música na rádio ontem cara. Mas tem certeza que não é emo?
- Pô. Ce ouviu na rádio!? Tá de onda com a minha cara!!
- Ouvi sim. No horário dedicado as bandas emos. Por isso achei estranho. Acho até que dá pra tirar. Canta aí que eu te acompanho...
- Não. De boa. Nem gosto tanto dessa banda. Já estão se vendendo pra mídia. Toca Feedback Song aí.
-Mas essa eu não sei tocar. Não conheço ninguém que saiba.
- Então cara. Essa música é que é da hora!

OBS: Agradeço o convite e a possibilidade estar em tão saborosa companhia (lembrando que saber e sabor tem raízes comuns no latim)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O samba se perdeu




Texto Daniel Faria

MÚSICA


Meu caro amigo Boi [Fernando Lalli] questionou-me ao responder uma de minhas postagens [Pobrezinha da Isabel], onde foi que a música popular brasileira se perdeu. Pois bem, tentarei analisar o universo do samba, e, principalmente o dos sambas de enredo, que é o gênero que mais ouço e curto.

Ao contrário do que as pessoas pensam o samba de enredo não é uma obra que serve apenas para embalar os churrascos de final de ano, as festas de reveillon e os bailes de carnaval. Algumas obras tornaram-se clássicos da MPB e ultrapassaram o quintal das escolas de samba para serem perpetuadas nas vozes de intérpretes como Elis Regina, Emílio Santiago, Marisa Monte, Caetano Veloso, Elza Soares, Lenine, Fernanda Abreu, Clara Nunes, Maria Bethânia, Jair Rodrigues, entre outros.

Quando o batuque deixou de ser considerado um ato subversivo e digno de punição por parte das autoridades, a sociedade brasileira começou a perceber a riqueza musical e cultural advinda das periferias e morros. Do interior das favelas cariocas nomes como o de Cartola, Nelson Sargento, Ismael Silva e tantos outros impulsionaram a aceitação por parte dos formadores de opinião do trabalho feito pelos pobres e boêmios freqüentadores de biroscas.

O documentário Cartola: Música para os olhos mostra claramente o respeito que o compositor conquistou perante as gravadoras e os músicos influentes de sua época. O bar ZiCartola foi dado a ele para que pudesse deixar de trabalhar como pedreiro e vivesse só de música, mas infelizmente ele não soube administrar o negócio, que acabou sendo fechado.

Voltando ao tema samba de enredo, as composições foram se adequando com o passar dos anos, os primeiros sambas falavam das belezas naturais do Brasil, da mulher, do carnaval e alguns exaltavam a história oficial e seus heróis. O Império Serrano e a Portela possuem composições históricas sobre os temas nacionais.

Na década de 1960, alunos das escolas de Belas Artes começaram a participar da confecção dos desfiles, principalmente dos Acadêmicos do Salgueiro. A partir daí, a vermelho e branco iniciaria uma trajetória interessante e um processo de dar vida a personagens até então marginalizados pela história. Dessa ousadia nasceu Zumbi dos Palmares, Aleijadinho, Dona Beija, Chica da Silva e Chico Rei.

As composições eram ricas até porque os compositores eram pessoas simples, mas nascidas ou introduzidas com maestria dentro do universo do carnaval. Não estavam ali por dinheiro, nem por vaidade. Respiravam o oxigênio puro e etílico que inspirava naturalmente qualquer ser humano.

A Sapucaí se tornou o grande divisor de águas do carnaval carioca e da própria história do samba de enredo. Os desfiles passaram a ser cronometrados, militarizados. Vários fatores externos começaram a fazer parte das agremiações desde que elas desceram o morro e pisaram com dignidade o asfalto.

Lentes, flashes, vendagem de discos, direitos de transmissão, modelos, peitudas, bundudas, bicheiros, contravenção e captação de patrocínio da iniciativa privada. Tudo isso, tornou-se preocupações das agremiações. O samba que deveria embalar, seduzir e se eternizar virou meramente ilustrativo e coadjuvante da apresentação. Uma simples trilha sonora.

Cada folião deve permanecer na avenida por um tempo estipulado. Porém, desfilando ao som de um samba composto por Martinho da Vila, ele com certeza vai estourar o tempo. A levada dos samba de Martinho são totalmente cadenciadas e seguem o estilo clássico do samba antológico, mas a nova geração acostumada a outros sons já misturam com maestria e facilidade elementos do axé e do frevo a suas composições, o que acelera o BPM e conquista resultados positivos no quesito harmonia [canto e dança]. Embora, hoje, o brincante pule e não sambe. Martinho ainda participa das disputas de samba de enredo na Vila Isabel, mas suas obras têm esbarrado na trave.

A poesia foi suprida pela letra de fácil absorção. O turista não precisa conhecer a beleza estética de nossa Língua Portuguesa, basta que ele "move it" e tire fotos pra mostrar que participou de um dos rituais tribais mais conhecidos do Novo Mundo.

Com isso, sambas sutis como Lima Barreto [Unidos da Tijuca 1982] ficam cada vez mais raros de serem escritos. Entre as sacadas da obra está esse trecho que acho muito rico: Mesmo sendo excelente escritor/ Inocente, Barreto não sabia/ Que o talento banhado pela cor/ Não pisava o chão da Academia.


Infelizmente ao passo em que a escola de samba evoluiu ao patamar de entidade cultural, os sambas tornaram-se mais precários para atender a vários anseios. Pois, as agremiações hoje são tão mutantes e mutáveis que transformam qualquer tema em carnaval.

Os apocalípticos irão ranger os dentes sempre que uma nova mudança acontecer. Sempre que uma obra do tipo [oba oba] for escolhida. Acompanho desde 2003, a escolha de sambas e confesso que os que eu gosto na maioria acabam perdendo. Daí fica aquela dúvida: Será que meu gosto não é tão apurado assim?
Enfim, o samba se perdeu a partir do momento em que toda uma cadeia de situações, ações e aspirações vieram beber dessa fonte. Não há mais romantismo, todos têm contas a pagar, filhos pra criar. O boêmio de hoje é diferente, graduado, assalariado, talvez pague pensão pra sei lá quantas esposas e filhos. Ele não quer ser como Noel Rosa, que teve uma vida breve, ele quer envelhecer sob um teto de preferência quitado e com seus filhos e netos bacharéis.

Dedico esse texto ao cantor Jamelão [José Bispo Clementino dos Santos] que na última segunda-feira (12) completou 95 anos. Espero vê-lo novamente à frente dos microfones da Estação Primeira de Mangueira.

Até quando?

Idéias


Texto: Diego Sieg

Ontem, enquanto tomava o quinto café do dia em Campos do Jordão, presenciei uma cena que me fez refletir por muitas horas. Para mim, até alguns anos atrás, as diferenças sociais não eram tão escancaradas como hoje, pelo menos no interior de São Paulo. Você ouvia histórias, encontrava um mendigo ou outro pelas ruas, um flanelinha no centro da cidade e por ai vai. Mas, quase nunca isso estava tão perceptível. Todos nós sabemos, que as cidades cresceram e junto delas diversos novos fenômenos surgiram. E como sempre, a nossa falta de planejamento conduziu a uma realidade assustadora.

Bom, agora vou relatar a cena. Aliás, já vou adiantar que não se trata de nada chocante ou similar, apenas um fato cotidiano e intencional, que, porém, numa análise mais profunda transmite a sensação de uma atitude um tanto quanto subversiva.

Era um garoto de aparentemente uns doze anos, de pele branca, olhos e cabelos claros e de gestos bastante inquietos. Suas roupas, um pouco sujas e também desproporcionais ao seu miúdo corpo, transmitiam uma mensagem agressiva e conflitante com o cenário inserido (para quem conhece Vila Capivari no inverno, mais precisamente o Shopping Boulevard Geneve, a compreensão será mais simples). Ele andava como um menino comum pelos corredores do shopping, mas de longe um segurança o fitava com o canto dos olhos. Não só o segurança, mas todos os demais presentes. Sabe, como se cada uma daquelas pessoas fosse um predador cortejando a sua presa, analisando com paciência os seus passos e aguardando o momento certo para o bote. Pois afinal, aquele “animal” poderia a qualquer momento cometer um ato que fosse contra os padrões morais da respeitada e correta classe-média-alta-católica-conservadora-etc. Quase uma ameaça, uma aberração.

Em um mundo paralelo e com atitude involuntária e ao mesmo tempo subversiva (apenas após refletir cheguei a esta conclusão), o garoto percebia as flechadas em sua direção, mas se portava como um soberano em seu maior patrimônio – a vida, aliás, o seu único bem. Acredito que o tempo lhe ensinou a desprezar o mundo e outros seres de maneira recíproca. Num determinado momento, diante de tantas cadeiras vagas de uma cafeteria e dos bancos do shopping, sentou-se de pernas cruzadas sobre o chão e começou a assistir ao desenho animado transmitido por um televisor colocado na vitrina de uma loja de brinquedos. O que você acha que aconteceu? Em menos de um minuto, o segurança, motivado pelo olhar de desaprovação dos outros presentes, apareceu e retirou o garoto do shopping.

O menino ainda tentou expor o seu ponto de vista: “Tio, mais eu só estou vendo o desenho”. Mas, de nada adiantou. Mais uma vez, o “pequeno animal” rejeitado ganhou a rua. Vagou por mais uns vinte minutos sem rumo e, sem nem perceber, encantou-se por um novo desejo – observar o belíssimo carro importado que acabara de estacionar. Garanto que o mesmo, já nem se lembrava mais da TV que o afastaram há uns trinta minutos e nem parou para pensar que dentro de mais cinco minutos o ciclo da discriminação voltaria a acontecer contra ele. Pois afinal, naquele momento, todos os olhares do mundo já tinham como mira certa a cabeça daquela criança sujinha e maltrapilha.

Só penso uma coisa: Um dia, dentro de uns seis anos, essa pobre e desprezada criança irá crescer. E como todo ser humano contemporâneo, seu desejo por consumir se aguçará. Ele vai desejar a TV, o carro, o relógio, o tênis, a roupa, o caviar... E os árduos caminhos que a vida o mostrou apontaram a saída. Depois, não adiantar chorar e gritar CHEGA na novela das oito. Afinal, a cada dia construímos e destruímos o nosso mundo e a nossa sociedade.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pitadas de nostalgia

Texto: Camila Peretta

Uma vez o arquiteto espanhol Antoni Gaudí disse que originalidade é voltar às origens. Confesso que hoje foi a primeira vez que ouvi isso, foi numa palestra com a jornalista Adélia Borges sobre os novos rumos e perspectivas do design, e ainda estou empolgada com o tema. Mas confesso também que isso me levou a repensar num outro assunto que tem me chamado a atenção nos últimos dias.

Faz cinco meses que deixei minha casa em Campos do Jordão – até então, uma casa pequena, antiga, numa cidade sem atrativos e pouco produtiva – para viver sozinha em São Paulo. Não poderia estar em melhor lugar! Vivo numa região rica e bem cuidada, trabalho numa empresa que se destaca entre a alta sociedade, enfim, uma mudança radical – e muito boa.
Contudo, passado o deslumbramento de toda a novidade, comecei a notar a indiferença e individualidade das pessoas que moram nos grandes centros. A troca de um lugar onde conhecia as pessoas pelo nome, por um outro, onde sequer sei quem são os três vizinhos que moram no mesmo andar que eu começou a pesar. Não me arrependo da escolha que fiz e não tenho vontade nenhuma de voltar a morar em Campos, mas...

Peço licença aos moradores de Campos do Jordão para descrevê-la como quem a vê do lado de fora. Sim, no primeiro texto que posto neste blog, convidada pelo grande amigo e colega Diego Sieg para escrever sobre turismo e gastronomia, deixo minhas “segundas impressões” sobre a bela “Suiça Brasileira”. Brevemente, apenas como quem só começa a dar valor quando já não existe mais.

As baixas temperaturas deste outono, que teima em parecer inverno, já são mais que suficientes para que Campos do Jordão volte a receber seus fiéis turistas – e agora, com gotas de essência paulistana, eu vejo porquê são fiéis. Impossível não se encantar com o charme das folhas de platanus caídas ao longo da avenida, que leva de um lado a outro da cidade – em menos de 15 minutos. Igualmente incrível, é acordar pela manhã e ver os carros, deck, grama e até a casinha do cachorro, todos branquinhos de geada. Respirar aquele ar gelado, se enrolar num cobertor quentinho e ficar em frente à lareira tomando chocolate quente. Correr nas ruas arborizadas, com aquele céu azul – que é único. São coisas pequenas, mas que merecem ser valorizadas, acreditem!
Isso só lembrando as coisas simples, do dia-a-dia, mas ainda temos boa música, uma gastronomia invejável, sem falar nos hotéis luxuosos, sim, tudo tem seu preço, e não é barato, mas, para quem pode, é um luxo que vale a pena. Não, eu não posso! -- Só sei de tudo isso porque vi num folder!

Bem, hoje, diria que há cinco meses deixei minha casa em Campos do Jordão – uma casinha acolhedora, com lareira e muitos tapetes, numa cidade charmosa, que além da paisagem natural, tem um ótimo chocolate, um ótimo clima, uma ótima água (e chopp também) ...

terça-feira, 13 de maio de 2008

Pobrezinha da Isabel


Texto: Daniel Faria

IDÉIAS

No mês passado o Brasil comemorou seus 508 anos de “descobrimento”, e, hoje celebramos o 120º aniversário da Abolição da Escravidão. De acordo com os livros de história, desde 1888, não existem mais escravos no país.

Pobrezinha da Isabel, pois mal sabia ela, que várias outras formas de escravidão habitariam o gigante adormecido ao longo dos anos. Entre alguns exemplos, a prostituição infantil, da mulher e do próprio homem, o trabalho escravo nos vários segmentos da atividade econômica, no campo, na indústria até fora do país, pois, somos excelentes produtores de mão-de-obra para Europa, América do Norte e assim vai.

No centenário da abolição, em 1988, a Estação Primeira de Mangueira levou pra Sapucaí o enredo “Cem Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão”, em um dos trechos da obra composta pelo trio Hélio Turco, Jurandir e Alvinho, uma afirmação, que infelizmente reflete a realidade: “Pergunte ao criador, Quem pintou esta aquarela, Livre do açoite da senzala, Preso na miséria da favela.”

Criam-se mecanismos de inclusão para que todos tenham um lugar ao Sol. Com isso, cresce o assistencialismo, um leque de oportunidades, que arregala os olhos do terceiro setor. Para uns está tudo ótimo, para outros sobreviver à sombra do paternalismo é uma vantagem bastante recompensadora do ponto de vista das facilidades oferecidas e da lei do menor esforço.

Estabelecem-se cotas e nesse pacote todas as minorias são encaixotadas, ou melhor, viram fatias do mercado, clientes preferenciais de empresas de alta performance e visão estratégica de mercado, ou como queiram arrojadas e com uma missão, que só de ler nas placas que decoram a recepção, nos arranca lágrimas de emoção.

Meu único medo é que no futuro (amanhã ou daqui a 5 minutos) essa divisão do mundo, não nos obrigue a viver em quilombos modernos, com representações do líder Zumbi, em várias cores, preferências sexuais, ou religiosas. Até porque a intolerância em qualquer grau pode ser considerada como uma forma de cerceamento da liberdade, ou seja, uma escravidão maquiada, que atinge os seres humanos nessa complexa convivência em sociedade.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Pelos trilhos do metrô

Texto: Tati Domiciano

Adoro circular pelos vagões do metrô de São Paulo. Já contei isso para alguns amigos. Desta vez revelo aqui no Menta Rosa. Ao mesmo tempo em que caímos na “mesmice” de passar pela catraca, subir e descer escadas rolantes, andar de metrô para mim é sempre surpreendente. Em outra época, dedicaria mais tempo ao tema.

Desta vez foi num domingo, por volta das sete da noite. À frieza típica do paulistano soma-se ainda o outono de São Paulo, com dias cinzas e temperaturas que beiram os 10 graus. Motivo de sobra para casacos, que escondem pessoas, e rostos debaixo de gorros de lã. Por aqui, tanto faz. Seja em dias de calor ou no inverno, o paulistano se refugia no metrô. Ninguém fala com ninguém. Os olhares são desviados. Os assentos “cinzas” – parece que a cidade elegeu essa como a cor símbolo – não são respeitados.

Cedi o meu lugar para um senhor com uma bebezinha no colo (e meu assento era marrom). Ele mal agradeceu. Tudo bem, as pessoas da capital não são como as do interior. De um lado, um jovem se acomoda, coloca os fones no ouvido, puxa o capuz para cima da cabeça e parece ser transportado para outro mundo. O que será que ele ouvia no mp3? Sempre tenho essa curiosidade. Na frente, um senhor de bigodes brancos e óculos pequenos demais para o tamanho de seu rosto lê o editorial de um jornal. À esquerda, uma senhora, que entrou toda esbaforida, toma seu lugar, tira os óculos Chanel de cima da cabeça, guarda na bolsa e espera a chegada da estação. Mais pra frente uma menina tenta arrastar sua mala entre as pessoas, que não se movem para nada. Mas a menina, em nenhum momento, pede uma “licencinha”. (Será que as pessoas perdem a fala quando dentro do metrô?)

Do outro lado, um homem de terno preto se acomoda perto da porta, bem embaixo do cartaz que pede para as pessoas que não atrapalhem a saída e a entrada dos usuários. Um menino passa e deixa com os passageiros um papelzinho retangular, onde se lê a mesma história de sempre: “é melhor pedir do que roubar, qualquer ajuda será aceita de bom grado”. Alguns poucos procuraram uma moeda. Alguns poucos se moveram e deixaram a posição de estátuas do metrô...

De repente, no monitor da TV – para quem ainda não sabe esta é uma novidade nos metrôs da capital— surge a pergunta: “Se no mundo existissem mais ‘você’ como ele seria?”. Você já parou para pensar nisso? Naquele momento eu fiz essa reflexão. Ao inverso. Imaginei como seria o mundo com mais senhores de bigode branco lendo o jornal. Com certeza, mais culto. Imaginei como seria o mundo com mais meninos de pés no chão distribuindo papeizinhos retangulares. Logo em seguida pensei em mais jovens fechados no seu mundinho envolvidos pelo som do mp3. Ops, acho que isso já acontece...

Depois de envolver as personagens que me acompanharam nesta curta viagem de metrô, pensei em mim. Como seria o mundo se existissem mais de “mim”... Feliz? Esperançoso? (sou corinthiana e daí? ... Humm, esqueçam essa parte, isso vai gerar mais discussão que o texto inteiro!!) Bem cuidado? Mais justo? Não sei.

Mais intrigante, com certeza.

E você? Já parou para pensar como o mundo seria se existissem mais de “você” circulando por aí? Melhor: vamos excluir o macro e pensar no micro, como pede meu cologa Boi no post "Reacionarismo Moderno". E se na sua cidade, no seu bairro, no seu trabalho existem mais de "você", como seria?

Para reflexões futuras e de acordo com a pauta, Niezstche:
“... escolham a boa solidão, a solidão livre, animosa e leve, que também lhes dá direito a continuar bons em algum sentido!”

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O mercado de luxo e os relés mortais

Texto: Daniel Faria
IDÉIAS
Ao folhear as páginas de uma Daslu (revista) tentei imaginar qual seria a reação de um relés mortal, ao tomar os primeiros contatos, com o fascinante e perigoso mercado de luxo.

O conteúdo apresentado dispara informações em várias direções. Para uns, o simples fetiche de folhear já causa o orgasmo necessário. Em resumo, ilustra um cenário. Mas, há aqueles que irão vislumbrar como a tábua de salvação, a escritura sagrada; o alfa e o Omega de sua própria existência.

Surto, pasmo, espasmo, orgasmo, luxuria, inveja, ganância e principalmente desejo incontrolável pelos bens e pelo status apresentado nas páginas da volumosa, suntuosa e colorida publicação.

Na mente de uma adolescente com certeza a revista deve causar viagens alucinantes. Até porque os corpos vendem a sedução do bem vestir, do bem estar, do bem viver, ou seja, divas que ao invés de estarem nas telas dos cinemas, habitam o imaginário luxuoso das passarelas da moda.

O que aconteceria com a Amélia? Aquela que era mulher de verdade. Com certeza desceria do salto, deixaria seus tamanquinhos surrados de lado e encararia um processo de transformação, que começaria com a troca do marido e terminaria com um passeio descontraído pelas ruas de qualquer cidade do país. Nas mãos uma sacola Prada.

Parece brincadeira, mas a questão do status nos dias atuais é algo bastante complicado. Pois ao mesmo tempo em que inclui, exclui aqueles que não preenchem os tais requisitos oficiais necessários.

Por fim, em que mundo você vive?

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Cachecol

Texto: Daniel Faria
SPFW

MODA

No inverno em que as sacolas (gigantes) vieram novamente como tendência para os looks masculinos, prefiro ficar com o bom e velho cachecol. É um dos acessórios mais elegantes na minha opinião. Se adapta facilmente a qualquer tipo de roupa, dependendo do modelo que você escolher.
Para quem é alérgico a lã, tem os de malha, que além de não incomodar, ainda tem como vantagem não enroscar na barba, não desgastar tanto e nem ficar com aquele aspecto roto, que a trama da lã apresenta com o passar do tempo.
O acessório é peça indispensável para quem quer encarar noites a céu aberto, pois protege as vias respiratórias, evitando assim, resfriados, gripes e as clássicas dores de garganta, que incomodam e muito no inverno.
Para evitar ficar lavando com freqüência uma dica básica é deixar guardado sempre protegido por um saco plástico e para espantar possíveis odores, inclusive de perfume é só deixar um pouco no varal ou janela, sem expor diretamente ao Sol.
Outra peça apresentada na edição Outono/Inverno 2008 do SPFW, foi o poncho. É um peça legal e bem descolada também. Para os modernos de plantão é mais um recurso interessante para zanzar por aí. Os conservadores podem usar sem neuras o seu bom moleton, a blusa de lã e o pulover, pois o importante e não congelar. Ah! Se tiver um agasalho sobrando no armário faça uma doação.

Inverno Chegando!!!

Texto e foto: Daniel Faria




GASTRONOMIA


O inverno está chegando e promete ser intenso. Temperatura baixa dá aquela vontade de ficar em casa fazendo aquela reunião entre amigos ou com aquela pessoa especial. Bem, no meu inverno já virou tradição desde 2000, a realização de algumas edições de noites de caldos. Sendo o mais tradicional o de feijão.
Para os que curtem reunir a galera em um ambiente mais agitado já existem casas especializadas em rodízios de caldos. Ano passado conheci uma em São José dos Campos, que serve além do caldo de feijão carioca e preto, o tradicional caldo verde, de legumes, quirela com calabreza, mocotó, mandioca, ervilha e assim vai. O preço na época era R$4,50 por pessoa.
Sem sombra de dúvida, os caldos são uma opção bem interessante para quem quer reunir os amigos nessa época do ano. O preparo é relativamente fácil e os acompanhamentos são os mais variados. No meu caso não pode faltar queijo ralado (mussarela ou prato), cheiro verde (salsa e cebolinha) e também torradas, que podem ser feitas com pão amanhecido (aquele mesmo que você não deu conta de comer ontem) ou compradas. As torradas antes de ir ao forno podem se regadas com azeite de oliva e orégano para dar um toque especial.
Comer é bom galera, mas é preciso evitar os exageros!!!

Reacionarismo moderno

Nas suas aulas de geografia durante o ensino médio [se é que você teve esse luxo: eu não tive aula de geografia no 3º ano por falta de professores na rede pública] você deve ter ouvido alguma passagem que dizia "no futuro aumentará o abismo econômico entre ricos e pobres". Não só economicamente o mundo parte para uma "polarização": pode reparar ao seu redor como as reações das pessoas estão mais extremistas. Como o "sim" e o "não", "esquerda" e "direita", "situação" e "oposição", "bom" e "mau" ganharam mais significado com o crescente reacionarismo dentre a turba, movido por diversos fatores.

Estudei esse troço aí de comunicação por quatro anos. E aqui cabe um obrigado a Diego Sieg pelo convite e um sorriso de satisfação ao ver que estou tão bem acompanhado ao lado de outros célebres amigos, srta. Marília Salla, sr. Daniel Faria e sr. Pedro Bola de Campos Junior. Estes cursaram a faculdade comigo e ouviram muito do que eu ouvi e passaram por muito do que eu passei em termos de consciência: "somos treinados para moldar a realidade", "não existe verdade e mentira, existe fato e versão", essa caralha toda. Não é somente por essa bagagem maldita que carrego, mas vejo no modo de vida atual a completa dependência das regras de comportamento e pensamento ditadas pelos [e centradas nos] veículos de comunicação. "Ah, Bôi, você descobriu a pólvora!!!". Ok, muita gente já disse isso. Mas essa questão me intrigou bastante, ontem, enquanto via jogo no bar. A Globo cortou da partida direto para o prédio dos pais do tal Alexandre Nardoni, que estava sendo preso naquele momento. O bar inteiro aplaudiu. Aproveitei para fazer o Alborghetti: "parabéns à Polícia Civil do meu Estado do Paranã". A mesa caiu na risada. Sei ser simpático de vez em quando. Enfim, não era disso que eu estava falando.

Essa MERDA de caso Isabella é o exemplo claro de como um movimento de retro-alimentação ad infinitum de interesses pode contaminar a vida de toda uma nação. Explico. Os pobres vivem na miséria, a grande maioria vivendo de migalhas; os ricos são obrigados a conviverem com um país feio e malcuidado regido por um presidente que não os atende no que diz respeito à imagem [feio, barbudo, gordo, aleijado, fala merda], com o medo de serem roubados/estuprados/seqüestrados; e a classe média paga as migalhas dos pobres, trabalha para os ricos e encontra refúgio de paz na ficção televisiva e/ou na religião e/ou no álcool e/ou nas drogas e/ou no rockandroll e/ou em tudo isso junto e tem medo de ser vista pelo resto do mundo como um amontoado de caipiras de terceiro-mundo [E O SÃO]. Ninguém está contente - e trata-se de um bando de descendentes de pobres e ladrões de diversos países da Europa. Trocando em miúdos: UM BANDO DE SELVAGENS SEDENTOS POR SANGUE. Então, uma criança morre jogada [palavra de segurança anti-processo] SUPOSTAMENTE pelos pais do sexto andar. Crime bárbaro, absurdo. Para "ajudar", a menina era branca, bonitinha e... de classe média. [Uma coisa que me faz cair o CU DA BUNDA de raiva: ninguém presta atenção aos outros cinquenta casos de homicídio registrados por semana só na Grande São Paulo?]. Basta uma reportagem bem forte, emotiva, veiculada na Globo e, bang!, habemus comoção nacional. As pessoas vêem mais televisão, as redações editam mais matérias, os departamentos comerciais das empresas vendem mais cotas de patrocínio e o povo compra o produto anunciado para consumi-lo quando chega em casa e ligam e TV para saber mais do caso Isabella com as matérias editadas pelos novos funcionários contratados pelas emissoras devido ao aumento da venda de cotas de patrocínio nos horários dos jornalísticos e ah, enfim, vocês entenderam.

O rico: "Este país está uma barbárie! Cadê o governo que não faz nada?"
O classe-média: "Foi a mãe! Como uma mãe pode fazer isso, meu deeeeeus?" [Chora diariamente com a Sônia Abraão]
O pobre: "Até os ricos matam! Felizes somos nós, que sabemos de onde vem o chumbo!"

E tome dias e dias nos noticiários, entulhados de detalhes e notícias e suspeitas e isso e aquilo e aquilo outro e PUTA QUE PARIU CHEGA EU QUERO SABER COMO VAI O MEU TODO PODEROSO TIMÃO [vai mal, mas eu sou fiel e não desisto nunca]. Acho sensacional a dimensão de novela ficcional que toma um caso desses. Todo mundo fica interessado em saber se estão certos ou não sobre suas próprias opiniões sobre o caso. Não, não há outra coisa a se comentar: a Câmara dos Vereadores vai bem, obrigado, mas já votaram a porcaria do asfaltamento da sua rua? Os carros em Taubaté andam sobre um queijo suíço cinza. Nêgo tem que fazer balanceamento e alinhamento uma vez por mês, mas quer saber mais é da Isabella. Pô, a coitada morreu, os pais vão ser presos culpados ou não, caceta!, agora me deixa ver os comentários do Kajuru, sim, por obséquio? Não, não deixam. A cada indício de culpa dos suspeitos, vibram por dentro como se as suas vidas estivessem sendo salvas da inclemência do juízo final.

A mesa de bar onde eu estava na noite passada era composta de gente um pouco mais estudada que a maioria [90%] dos brasileiros: ensino superior completo e incompleto. Eles estavam lá, aplaudindo a prisão do Alexandre Nardoni. "É vagabundo! É um monstro!", etc. Querem vingança. Nada contra eles, todos muito bem quistos e com moradia certa no meu coração, mas vem cá: eu só aplaudo prisão do Maluf pra cima. Não que eu me considere O ESCLARECIDO por isso, longe de mim. Sou muito burro e demoro pra conseguir entender como as coisas funcionam [mas ao menos eu TENTO, o que, me ensinaram na pré-escola, era válido].

Convenhamos, era pra tanto? Não morre tanta gente de maneira mais cruel e a gente nem fica sabendo? [Agora me recordo do belo texto de Pedro Bola sobre o andarilho que morreu ano passado em Taubaté. A causa? FRIO. É cruel o suficiente para você?].

A sede de vingança das frustrações do brasileiro tem que ser descontada nas costas de um cara que já vai ser devidamente MORTO na prisão assim que lá chegar? Por que não descontar nas costas dos Severinos Cavalvantis da vida, os chupinhadores de poder do baixo clero do congresso [em minúsculas], esses sim as sanguessugas da nação? Tá, eu não não vou pagar de militante aqui, mas é uma merda: eu não votei em deputados e senadores na última eleição, porque lá está a farsa e eu não vou dar uma nesga de incentivo a esses caras. Faço meu protesto pessoal e me sinto bem, aliviado em dizer NÃO VOTEI EM FILHADAPUTA NENHUM pro congresso [votei no Lula duas vezes, mas foi em legítima defesa].

Hoje se acusa muito mais do que se tenta entender. Dá-se muito mais importância ao intangível, ao longo prazo. Troca-se uma capacidade de "pensar localmente" pelo conforto da baixa tecnologia. Olhe ao seu redor. Está acontecendo - e rápido.

Não seria tão melhor se todo mundo resolvesse internamente suas frustrações e déssemos menos importância ao macro enquanto não se resolve o micro? Começar de baixo, plantar boa educação, ajudar uma velhinha a atravessar a rua, se preocupar menos com a vida alheia ao mesmo tempo que se se oferece para fazer da sua rua/cidade um lugar um pouco melhor? Usar menos internet e televisão e mais livros, música e ar puro? Abaixar um pouco a guarda e procurar saber como as coisas funcionam antes de tentar destruí-las física e mentalmente?

Se você lê este blog, aposto que concorda comigo.

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Tudo isso só para dizer que aqui fui chamado por Diego Sieg para escrever sobre esportes e música. Não vou mais incomodar vocês com meus arroubos observacionistamente arrogantes sobre o mundo. Perdão pela prolixidade e até a próxima.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Qual é a sua chave?

Texto: Tati Domiciano



Já viu o filme "1408"? (Fique tranquilo, este texto não tem a mínima intenção de ser uma propaganda...) É uma produção do diretor Mikael Hâfström, lançada no final do ano passado. Bom, o fato é que a personagem principal, por motivos diversos, quer muito entrar neste quarto de hotel, o que dá nome ao filme, o 1408. O mais interessante é que antes do tal cara entrar, há uma sequência de imagens perfeitas da chave sendo introduzida na fechadura e todos os mecanismos e engrenagens trabalhando para que a porta se abra. Em seguida, um corte para o rosto do ator mostra o alívio e a satisfação dele em, finalmente, ter atingido seu objetivo. Tudo isso em menos de um minuto. Menos de 60 segundos que prenderam minha atenção pelo resto da estória.



Analise da seguinte forma: a chave foi a ferramenta que a personagem usou para realizar sua meta. Começou a fazer sentido para você? O que me fez queimar a mufa na verdade foi analisar esta sequência e tentar aplicá-la no dia-a-dia. Sonhar faz parte da essência de qualquer um. E aquele máxima, que sempre é dita por alguém -- "uma pessoa não vive sem sonhos"-- é a mais pura verdade. É tão certa quanto dizer que a vida é para ser feita de realizações de sonhos. Explico novamente: ninguém precisa nos ensinar como e com o quê sonhar, mas precisamos aprender como tornar o imaginário em realidade.



No filme, a realização foi convertida num signo pequeno e sem muito valor, a chave. E o que precisamos saber disso? Que muitas vezes a nossa chave pode não ter, ainda, o encaixe perfeito na fechadura que queremos abrir. É neste ponto que precisamos agir. Todas as ações são concentradas no aperfeiçoamento do que consideramos ser a nossa ferramenta. E nesta jornada --sim, é uma jornada -- enfrentamos questões reais, do mundo real. É uma busca pessoal. É um temido encontro de você com você mesmo. Fácil para poucos, difícil para outros e quase impossível para tantos que temem dar o primeiro passo.



Deixo vocês com Nietzsche, em "Além do Bem e do Mal" : Quem alcança seu ideal, vai sempre além dele.



P.S: Ainda não tenho o design da minha chave, mas o primeiro passo foi dado. :)

domingo, 4 de maio de 2008

Roubou a cena

Texto: Daniel Faria



A entrevista com o jogador Ronaldo (Fenômeno), a mais anunciada pelo famoso programa televisivo das noites de domingo, teve um momento mais que inusitado.

Ao abrir as portas de sua casa de veraneio, em Angra dos Reis, para a equipe de reportagem do Fantástico, o jogador que virou manchete por ter saído com três travestis não esperava ser surpreendido por uma famosa “musiquinha.”

Não sei se todos perceberam, mas durante a exibição da entrevista, o famoso U.L.T.R.A.G.A.ZZZZZ ecoou ao fundo. O jogador inclusive deu uma olhada meio que de “rabo de olho” para o lado. Mas só quando o U.L.T.R.A.G.A.ZZZZZ se repetiu é que tive certeza de que não era coisa da minha cabeça.

Enfim, a empresa de distribuição de gás de cozinha conseguiu fazer uma ponta (0800), em horário nobre e sem fazer estratégia de marketing alguma. Enfim, roubou a cena.

Quanto ao jogador, resta como ele mesmo disse em entrevista: “Reconstruir sua casa, que foi abalada por um furacão.”