terça-feira, 10 de junho de 2008

Sobre como o mp3 vai nivelar o universo musical - por baixo

[Texto por Fernando Lalli. Publicado originalmente no Cràse E-Zine]

Não que eu seja contra o download de mp3. Longe disso: sou um defensor ferrenho da distribuição ilegal de música - entre vários motivos, como forma de confronto ao preço extorsivo dos CDs nacionais. Ladrão que rouba ladrão... Vocês sabem. Mas há algo de muito grave no abandono do formato físico da música. E não estou falando do vilipendiado conjunto capa-e-encarte. Reduzir a música APENAS a uma forma de registro eletrônico cientificamente limitado é o perigo real que nossos ouvidos correm neste século.

Há alguns meses, herdei do meu pai o aparelho de som que ficava na sala de estar da minha casa. Um combo Gradiente ano 1991, grandão, um dos primeiros a contar com CD player, com caixas de surround independentes. Uma maravilha quando novo; hoje ainda dando um belo caldo depois de impiedosamente surrado em 16 anos de uso ininterrupto. Trouxe o trambolho pro meu quarto e liguei direto na saída de áudio do computador. Botei o winamp pra trabalhar e percebi o desperdício que é contar com um aparelho de som de qualidade para tocar mp3.

Uma das coisas que mais me irrita nessa polêmica CD versus mp3 é a completa SURDEZ dos defensores do formato eletrônico de distribuição de música. Nem vou me ater ao rito semi-religioso que é comprar uma obra artística e tê-la para si. Vamos ao fato concreto, puro e simples: o mp3 possui seu grau de qualidade baseado em taxa de compressão [128kbps, 256 kbps, etc]. Se ele comprime, ele reduz: causa perda de definição, certo? Não é uma mera tradução literal do que estava na fonte, é uma conversão. Joga fora boa parte da ambiência do som gravado ao eliminar freqüências que, mesmo inaudíveis ao ser humano, são importantes acusticamente falando.

Obviamente, se você escutar - exemplo contemporâneo aleatório - o primeiro disco do Strokes, a diferença entre um mp3 em 320kbps e o CD original é imperceptível, se a mensurarmos num aparelho de som com falantes meia-boca ou em caixinhas de som normais de PC. Isso envolve diversos fatores: principalmente a própria gravação original, abafada, pobre em freqüências agudas e graves [nenhum demérito da banda, no caso, já que essa é a pegada deles]. A coisa se complica quando a comparação envolve uma gravação rica em detalhes, como a de A Ghost Is Born, penúltimo e belíssimo disco do Wilco. A gravação, cheia de timbres intrincados e muito bem cuidados, sofre perda irreparável na conversão, mesmo quando se usa a taxa de compressão mínima. O dano à ambiência do som é claramente perceptível mesmo com fones de ouvido de qualidade mediana - que costumam eliminar por si próprios boa parte do "calor" do registro. Se você quiser ir mais longe [ou ainda não conseguiu perceber a diferença], faça o teste com o Vespertine, da Bjork. Ouça com atenção e desafio a não perceber a diferença.

Disparidades exemplificadas, a questão está no quanto isso te irrita. Pode correr a internet aí [como fiz] para perceber que todos os textos que defendem o formato mp3 tascam logo de cara a expressão "perdas de som imperceptíveis". Oras, minha audição nunca foi um prodígio e mesmo assim tenho ouvidos apurados o suficiente para se incomodar com agudos "metalizados" e graves "quadrados". Você também? Que bom. Estaríamos nós sozinhos contra um exército de neófitos latrinoriculares? Seriam estas as mesmas pessoas que não sabem distinguir marcas de cerveja pelo sabor sem olhar o rótulo?

Talvez essa rebeldia seja uma espécie de perda de referência que sofre quem nunca se educou a ouvir música registrada de modo analógico - leia-se vinil. Teoria nada furada se levarmos em conta que as fitas cassete [o mp3 dos anos 80 e 90] nunca tomaram o lugar do vinil [e do CD, posteriormente] justamente por não ter qualidade de som safisfatória. No caso, saturava e abafava o som das músicas - e tinha o cabeçote do player, que fodia toda hora, tinha que limpar, etc. Nêgo se virava com as fitinhas, mas não dispensava a compra do álbum, quando podia arcar com isso.

Não vou dar uma de purista [embora o seja, reconheço] e dizer que o álbum é um formato insubstituível - muito embora eu lamente esse fato porque nunca aprendi a ouvir música a granel. Música, para mim, é algo maior, é obra artística; e nisso está envolvido o conceito da capa, a estética do som, as letras. Se agora a indústria cultural fala para uma geração que mal se importa com quem foi o produtor do disco [Steve Albini, Nigel Godrich, quem?], então eu e mais tantos saudosistas vamos sofrer com o lado ruim dessa democracia. Sintoma da dessentimentalização da arte pop.

E da surdez coletiva.

Um comentário:

diego sieg disse...

muito foda, boi!

já tinha lido este texto no Cráse E-zine, mas agora não pude deixar de parabeniza-lo pela opinião.

abraço