quinta-feira, 8 de maio de 2008

Reacionarismo moderno

Nas suas aulas de geografia durante o ensino médio [se é que você teve esse luxo: eu não tive aula de geografia no 3º ano por falta de professores na rede pública] você deve ter ouvido alguma passagem que dizia "no futuro aumentará o abismo econômico entre ricos e pobres". Não só economicamente o mundo parte para uma "polarização": pode reparar ao seu redor como as reações das pessoas estão mais extremistas. Como o "sim" e o "não", "esquerda" e "direita", "situação" e "oposição", "bom" e "mau" ganharam mais significado com o crescente reacionarismo dentre a turba, movido por diversos fatores.

Estudei esse troço aí de comunicação por quatro anos. E aqui cabe um obrigado a Diego Sieg pelo convite e um sorriso de satisfação ao ver que estou tão bem acompanhado ao lado de outros célebres amigos, srta. Marília Salla, sr. Daniel Faria e sr. Pedro Bola de Campos Junior. Estes cursaram a faculdade comigo e ouviram muito do que eu ouvi e passaram por muito do que eu passei em termos de consciência: "somos treinados para moldar a realidade", "não existe verdade e mentira, existe fato e versão", essa caralha toda. Não é somente por essa bagagem maldita que carrego, mas vejo no modo de vida atual a completa dependência das regras de comportamento e pensamento ditadas pelos [e centradas nos] veículos de comunicação. "Ah, Bôi, você descobriu a pólvora!!!". Ok, muita gente já disse isso. Mas essa questão me intrigou bastante, ontem, enquanto via jogo no bar. A Globo cortou da partida direto para o prédio dos pais do tal Alexandre Nardoni, que estava sendo preso naquele momento. O bar inteiro aplaudiu. Aproveitei para fazer o Alborghetti: "parabéns à Polícia Civil do meu Estado do Paranã". A mesa caiu na risada. Sei ser simpático de vez em quando. Enfim, não era disso que eu estava falando.

Essa MERDA de caso Isabella é o exemplo claro de como um movimento de retro-alimentação ad infinitum de interesses pode contaminar a vida de toda uma nação. Explico. Os pobres vivem na miséria, a grande maioria vivendo de migalhas; os ricos são obrigados a conviverem com um país feio e malcuidado regido por um presidente que não os atende no que diz respeito à imagem [feio, barbudo, gordo, aleijado, fala merda], com o medo de serem roubados/estuprados/seqüestrados; e a classe média paga as migalhas dos pobres, trabalha para os ricos e encontra refúgio de paz na ficção televisiva e/ou na religião e/ou no álcool e/ou nas drogas e/ou no rockandroll e/ou em tudo isso junto e tem medo de ser vista pelo resto do mundo como um amontoado de caipiras de terceiro-mundo [E O SÃO]. Ninguém está contente - e trata-se de um bando de descendentes de pobres e ladrões de diversos países da Europa. Trocando em miúdos: UM BANDO DE SELVAGENS SEDENTOS POR SANGUE. Então, uma criança morre jogada [palavra de segurança anti-processo] SUPOSTAMENTE pelos pais do sexto andar. Crime bárbaro, absurdo. Para "ajudar", a menina era branca, bonitinha e... de classe média. [Uma coisa que me faz cair o CU DA BUNDA de raiva: ninguém presta atenção aos outros cinquenta casos de homicídio registrados por semana só na Grande São Paulo?]. Basta uma reportagem bem forte, emotiva, veiculada na Globo e, bang!, habemus comoção nacional. As pessoas vêem mais televisão, as redações editam mais matérias, os departamentos comerciais das empresas vendem mais cotas de patrocínio e o povo compra o produto anunciado para consumi-lo quando chega em casa e ligam e TV para saber mais do caso Isabella com as matérias editadas pelos novos funcionários contratados pelas emissoras devido ao aumento da venda de cotas de patrocínio nos horários dos jornalísticos e ah, enfim, vocês entenderam.

O rico: "Este país está uma barbárie! Cadê o governo que não faz nada?"
O classe-média: "Foi a mãe! Como uma mãe pode fazer isso, meu deeeeeus?" [Chora diariamente com a Sônia Abraão]
O pobre: "Até os ricos matam! Felizes somos nós, que sabemos de onde vem o chumbo!"

E tome dias e dias nos noticiários, entulhados de detalhes e notícias e suspeitas e isso e aquilo e aquilo outro e PUTA QUE PARIU CHEGA EU QUERO SABER COMO VAI O MEU TODO PODEROSO TIMÃO [vai mal, mas eu sou fiel e não desisto nunca]. Acho sensacional a dimensão de novela ficcional que toma um caso desses. Todo mundo fica interessado em saber se estão certos ou não sobre suas próprias opiniões sobre o caso. Não, não há outra coisa a se comentar: a Câmara dos Vereadores vai bem, obrigado, mas já votaram a porcaria do asfaltamento da sua rua? Os carros em Taubaté andam sobre um queijo suíço cinza. Nêgo tem que fazer balanceamento e alinhamento uma vez por mês, mas quer saber mais é da Isabella. Pô, a coitada morreu, os pais vão ser presos culpados ou não, caceta!, agora me deixa ver os comentários do Kajuru, sim, por obséquio? Não, não deixam. A cada indício de culpa dos suspeitos, vibram por dentro como se as suas vidas estivessem sendo salvas da inclemência do juízo final.

A mesa de bar onde eu estava na noite passada era composta de gente um pouco mais estudada que a maioria [90%] dos brasileiros: ensino superior completo e incompleto. Eles estavam lá, aplaudindo a prisão do Alexandre Nardoni. "É vagabundo! É um monstro!", etc. Querem vingança. Nada contra eles, todos muito bem quistos e com moradia certa no meu coração, mas vem cá: eu só aplaudo prisão do Maluf pra cima. Não que eu me considere O ESCLARECIDO por isso, longe de mim. Sou muito burro e demoro pra conseguir entender como as coisas funcionam [mas ao menos eu TENTO, o que, me ensinaram na pré-escola, era válido].

Convenhamos, era pra tanto? Não morre tanta gente de maneira mais cruel e a gente nem fica sabendo? [Agora me recordo do belo texto de Pedro Bola sobre o andarilho que morreu ano passado em Taubaté. A causa? FRIO. É cruel o suficiente para você?].

A sede de vingança das frustrações do brasileiro tem que ser descontada nas costas de um cara que já vai ser devidamente MORTO na prisão assim que lá chegar? Por que não descontar nas costas dos Severinos Cavalvantis da vida, os chupinhadores de poder do baixo clero do congresso [em minúsculas], esses sim as sanguessugas da nação? Tá, eu não não vou pagar de militante aqui, mas é uma merda: eu não votei em deputados e senadores na última eleição, porque lá está a farsa e eu não vou dar uma nesga de incentivo a esses caras. Faço meu protesto pessoal e me sinto bem, aliviado em dizer NÃO VOTEI EM FILHADAPUTA NENHUM pro congresso [votei no Lula duas vezes, mas foi em legítima defesa].

Hoje se acusa muito mais do que se tenta entender. Dá-se muito mais importância ao intangível, ao longo prazo. Troca-se uma capacidade de "pensar localmente" pelo conforto da baixa tecnologia. Olhe ao seu redor. Está acontecendo - e rápido.

Não seria tão melhor se todo mundo resolvesse internamente suas frustrações e déssemos menos importância ao macro enquanto não se resolve o micro? Começar de baixo, plantar boa educação, ajudar uma velhinha a atravessar a rua, se preocupar menos com a vida alheia ao mesmo tempo que se se oferece para fazer da sua rua/cidade um lugar um pouco melhor? Usar menos internet e televisão e mais livros, música e ar puro? Abaixar um pouco a guarda e procurar saber como as coisas funcionam antes de tentar destruí-las física e mentalmente?

Se você lê este blog, aposto que concorda comigo.

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Tudo isso só para dizer que aqui fui chamado por Diego Sieg para escrever sobre esportes e música. Não vou mais incomodar vocês com meus arroubos observacionistamente arrogantes sobre o mundo. Perdão pela prolixidade e até a próxima.

3 comentários:

Fr33 Think3r disse...

Esse blog tá bem de escrevinhadores, hein?! Parabéns!

Meu protesto ontem foi ver cinco minutos de Ídolos no SBT e perder o gol do Adriano, só pra não dar audiência pra putaria! hehehe

abraços!

diego sieg disse...

Puta Merda! Vai escrever bem assim lá em Taubaté!rs.

A cada dia tenho mais orgulho de ser seu amigo, Sr. Lalli! Como já disse algumas vezes: sou seu fã!

Cara, seguinte... o convite não se limita a textos sobre música e esportes não, viu? Pode soltar o verbo por aqui tb. Quanto mais assunto, mais pontos de vista e polêmica -- Melhor! rs.

Ah, não se esqueça de divulgar a revista para a galerinha, ok?

A nossa brincadeira aqui só tem a ganhar com isso!

abraço

Unknown disse...

Saudades dos seus textos, Bôi.