quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sobre a cegueira, o incômodo e os transeuntes do Terminal Barra Funda

Semana passada, andando pelas lojas e lanchonetes do metrô Barra Funda, fui abordada por uma senhora de meia-idade. Num primeiro momento, não consegui dirfarçar minha irritação por estar com pressa e por imaginar que ela me pediria esmola.
Pois é, ela me pediu esmola. E por ter acabado de sair do hospital após um derrame, demorou uns minutos para explicar sua situação. Com os traços do rostos deformados e um olhar desesperado,me contou que não tinha como almoçar e tampouco voltar para sua cidade. Enquanto aquela senhora falava, eu não a olhava; observava, com os olhos curiosos da semi-turista que veio de Minas Gerais, a multidão que passa pelo Terminal Barra Funda todos os dias, dentro ou fora do horário de pico. Uma multidão apressada, desesperada para ir ou voltar. Uma multidão portadora de uma cegueira branca, como diria Saramago.
Livre dessa minha cegueira por alguns segundos, ofereci à mulher algum trocado e uma maçã e me lembrei do curta-metragem Ilha das Flores, do Jorge Furtado. A ficção, vestida de documentário, aborda de maneira ácida e ao mesmo tempo sutil todo o ciclo da produção de capital da vida moderna, usando de cenário um lixão localizado na periferia de Porto Alegre e de narração a interpretação irônica do ator Paulo José.
Em Ilha das Flores,onde convivem uma comunidade carente e uma criação suína, parte do que sobra da alimentação dos suínos vai para o lixão de Flores e é aproveitada por essa população. A ficção se transforma em realidade quando, por pressa ou pela tão prática e confortável cegueira, ignoramos aqueles que foram abandonados. Todos os dias os comedores de lixo de Ilha das Flores estão lá, nas ruas, nos transportes públicos, nas favelas.
Teóricos acadêmicos e políticos estudam e discutem há séculos como tirá-los de lá; jornalistas, com suas câmeras, fazem fotos p&b dos mendigos da Sé e colocam em seus espaços virtuais; cidadãos comuns dão suas moedinhas (para dormirem bem à noite).
O que há de diferente hoje - e que espero que seja uma tendência - é que eu e os jovens que conheço já cansamos de brincar de fotojornalismo social, de fazer textinhos bonitos para tirar 10 com a professora e de dar moedinhas para tentar ter um sono mais leve. Não acho que passaremos de revolucionários de sofá para ativistas convictos, mas é fato que o incômodo que sentimos só aumenta. E acho que o incômodo impulsiona, de certa forma.

Para quem ainda não viu Ilha das Flores:


Parte 1:



Parte 2:



E esse foi meu post de estréia por aqui. Aproveito para deixar meu 'oi' para meus colegas de blog e para o Diego, amigo de infância que me chamou pra vir pra cá. :)

5 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Orra meu! Acabei de ler seu texto e assistir o vídeo sugerido. Parabéns Tânia por estrear nesse espaço dando a nós leitores um excelente cutucão.

Seja bem vinda!

Hasta

Anônimo disse...

"O que há de diferente hoje - e que espero que seja uma tendência - é que eu e os jovens que conheço já cansamos de brincar de fotojornalismo social, de fazer textinhos bonitos para tirar 10 com a professora e de dar moedinhas para tentar ter um sono mais leve."

Srta. Tânia, não te conheço, mas já gosto de você só por este trecho. =D

[Sieg, este blog vai virar coisa seríssima. Parabéns mais uma vez pela idéia e pelo "cast"].

diego sieg disse...

oiii Tânia!!

fiquei tão feliz de ler o seu post de estréia que já aguardo com ansiedade o próximo. Adorei mesmo! Parabéns pelo cutucão!


Seja super bem-vinda. ok??


beijo

diego sieg disse...

fala sr. lalli!

obrigado pelo parabéns e por sua atividade neste espaço. Olha só, pensei nisso ontem ao ler os últimos posts. Realmente, também acredito que isso aqui vai virar, ou melhor, já começou a virar coisa seríssima.

Parabéns a todos os membros pela participação. Ah, vários convites já foram enviados. Portanto, em breve, novos colaboradores de peso estarão por aqui. ok?

Gostaria de sugestões para novos membros. ok? é só enviar por email...

outra coisa, em breve, um novo layout e um domínio fixo tb.rs

abraço