terça-feira, 20 de maio de 2008

Cinco álbuns essenciais de Bruce Springsteen

[Texto por Fernando Lalli. Adaptado e atualizado do já publicado originalmente no Cràse E-Zine]

O ano é 1995, tenho 13 anos, estou no centro de São Paulo e acabo de comprar meu primeiro walkman. Custou 20 reais, com o fone. Ganhei as pilhas de brinde. Ainda sobravam 10 reais dos R$30 que minha avó havia me dado de presente de aniversário. Passo em frente ao Mappin – sim, aquele grandão do centro que não existe mais – e vou direto à seção de fitas K7, CDs e vinis [sim, eles coexistiam]. Um ano antes, estourara nas rádios a famigerada “Streets Of Philadelphia”, mas eu não sabia o nome de quem cantava, nem o nome da música em si. Pois então surge na Globo o reclame do lançamento nacional da coletânea Greatest Hits de Bruce Springsteen. E toca “Streets of Philadelphia”. Ah, ok, esse é o cara. O mesmo cara de costas no poster que ornamenta uma das paredes naquela seção do Mappin. A fita custa exatamente dez mangos. Não tenho dúvidas em levá-la – ainda que sob o alerta da minha mãe, dizendo que não iria me dar mais nenhum dinheiro naquela tarde.

No ônibus, com a família, de volta à casa do meu padrinho que nos hospedava, coloco a fita no walkman e espero ouvir “Streets of Philadelphia”. Ao invés do baladão moldado para as adult radios, a primeira canção que vem aos meus ouvidos é “Born To Run”. Depois, “Thunder Road”, “Badlands”, “The River”, “Hungry Heart” e “Atlantic City”. Que seqüência! Até hoje, lembro exatamente como aquelas seis canções me atingiam. Eram PEDRADAS NA MINHA CARA. Não consegui esboçar nenhuma reação. Era a trilha sonora perfeita para aquele cenário de quase fim de tarde, no meio da capital. Nunca tinha ouvido nada parecido; músicas que soassem tão... tão... tão SÓLIDAS. Seis canções: o tempo exato para que chegássemos ao nosso ponto. Provavelmente eu já era uma pessoa diferente quando desci daquele ônibus. Mais criterioso com relação às merdas que ouvia, sem dúvida.

Viajei para Taubaté, naquela noite, com a fita no walkman, não dividindo com ninguém o que acabara de descobrir. Quando veio a vez de “Streets of Philadelphia”, a 14ª música, tive nada além de uma breve satisfação. Tinha perdido completamente a vontade de ouvi-la. O verdadeiro ouro já havia sido encontrado. Nunca tinha ouvido emoção ser traduzida em música sem os artifícios fáceis do molde radiofônico. Dane-se o que ele estava cantando: não precisa ser nenhum expert em inglês para saber do que são feitas as canções de Bruce. Ele traduz tudo com sua voz rouca e uma melodia tão característica e forte que definiu todos os padrões do dito “rock americano”. Sempre que me deparo com a fita, em meio a milhares de outras que ainda permanecem nas gavetas do meu quarto, lembro de cada detalhe daquele dia.

É mais ou menos isso o que Bruce Springsteen e sua maravilhosa E Street Band fazem com você: eles marcam a sua vida indelevelmente, se é que esse advérbio existe. Ou talvez eu só tenha visto o mesmo que Jon Landau em 1974. “I saw rock and roll future and its name is Bruce Springsteen”.

Eis cinco discos essenciais para, quem sabe, salvar a sua vida nalgum dia desses.


Born to Run
Lançamento: 25.08.1975
Nota: 10

Terceiro álbum de Bruce. Em uma palavra: arrebatador. Um disco que abre o lado A com “Thunder Road” e o lado B com “Born to Run” – duas das maiores canções de rock de todos os tempos – que, além disso, compunham o que muitas listas elegeram como o melhor compacto de todos os tempos. Com relação aos dois primeiros álbuns [Greetings From Astbury Park e The Wild, The Innocent & The E Street Shuffe, ambos de 1973], Bruce muda a formação de sua banda de apoio, recém-batizada como E Street Band: entra o fantástico Max Weinberg na bateria, elemento crucial na virada da carreira do Boss. Bruce soa mais vibrante do que nunca em melodias épicas, reforçadas pela produção inspirada no wall of sound de Phil Spector. As letras, se cometiam exageros românticos, contagiam pela sinceridade, pela urgência com que Bruce canta histórias de personagens comuns da classe operária americana – aquela mesma que sustenta o “sonho” dos yuppies. “Porque lixo como nós, baby, nasceu para correr”, brada a faixa-título. “Thunder Road”, e sua melodia que não pára de crescer um segundo durante todos os seus cinco minutos de duração, mereceu um capítulo especial em 31 Canções, livro de Nick Hornby. “Jungleland” é o épico que Bruce tentou fazer antes com “New York Serenade” – e agora acertava em cheio. As aventuras nas searas da black music renderam seu soul definitivo: “Tenth Avenue Freeze-Out”, onde brilha o carismático saxofonista Clarence Clemons. Born To Run fez Bruce ser capa, na mesma semana, das revistas Time e Newsweek. Um disco obrigatório em qualquer coleção de rock. Mas, como não tem a edição nacional, vale o mp3, fazer o quê...

Sucessos: “Born To Run”, “Thunder Road”, “Tenth Avenue Freeze-Out”, “Jungleland”.
Melhores faixas: Todas.
Pior faixa: Nenhuma.
Preferida: “Thunder Road”. Ou “Born To Run”, dependendo do lado que a moeda cair.



Darkness on the Edge of Town
Lançamento: 2.06.1978
Nota: 10

Quarto álbum de estúdio de Bruce. Não se engane pelo começo vibrante da primeira faixa do disco, “Badlands”. Bruce está PUTO. Pudera. Uma pendenga na justiça americana com seu ex-empresário lhe impôs um silêncio de três anos sem poder gravar absolutamente nada. Na maioria das músicas, não há uma linha sequer desprovida de rancor. Na própria “Badlands”, ele relata: “Fui pego num fogo cruzado que eu não entendo/ [...] Querida, eu quero o coração, eu quero a alma, eu quero o controle agora mesmo”. Versos que exemplificam, por eles mesmos, como o imbróglio judicial afetou sua vida. Apoiando a maioria dos arranjos no piano [até a paulada “Candy’s Room” é baseada no instrumento], Bruce faz de Darkness... o contraponto a Born To Run: há resignação no lugar da urgência, amargura ao invés da esperança. A faixa-título, que encerra o álbum, é um espetáculo: um começo melancólico que logo explode em raiva e deságua num refrão cinemascópico – tudo isso em poucos segundos. “Racing In The Street”, por sua vez, é considerada por muita gente como a melhor balada do repertório de Bruce. Ofuscado na discografia por seu predecessor, preterido em coletâneas e subestimado até mesmo por fãs, Darkness on the Edge of Town é o disco mais coeso, classudo e bem acabado de Bruce.

Sucessos: “Badlands”, “Prove It All Night”, “Darkness on the Edge of Town”, “Racing in the Street”.
Melhores faixas: Todas.
Pior faixa: Nenhuma.
Preferida: “Darkness on the Edge of Town”. Ou "Candy's Room". Ou "Streets Of Fire". Ou...



Nebraska
Lançamento: 20.09.1982
Nota: 9

Sexto disco de Bruce. O que fazer quando as versões demo das músicas soam melhor que as versões finais? Simples: lançar as próprias demos. Foi isso o que aconteceu nos estúdios da Columbia em 1982: Bruce aportou com uma fita em mãos, gravada no porão de sua casa, numa mesa de quatro canais, só com violão, voz e gaita, cuja crueza nunca conseguiu ser reproduzida a contento. Aqui, Bruce canta como um andarilho bêbado e maldito, à beira da estrada, tocando um violão velho para si mesmo. Algumas histórias fazem Johnny Cash parecer o Belle & Sebastian: “Eu a vi no gramado, passando batom nos lábios/ Saímos para passear, senhor, e dez pessoas inocentes morreram”, são os versos que abrem o disco, na faixa-título. Tem mais: um policial que persegue o próprio irmão criminoso [“Highway Patrolman”]; um homem que não consegue emprego e resolve fazer “um pequeno favor” para um estranho [a fantástica “Atlantic City”]; um condenado a 99 anos de prisão que durante seu julgamento suplica pela pena de morte [“Johnny 99”]. Quando não fala de crimes e outras desgraças, faz chorar como na história de um filho arrependido que volta à casa do pai e encontra apenas uma estranha morando nela [“My Father’s House”]. Nenhuma outra estética seria mais adequada a Nebraska do que a rusticidade, a escuridão das melodias enterradas em seu registro acústico lo-fi. Como ficou provado na versão “elétrica” de “Atlantic City”, que apareceu em registros ao vivo: ela não causa nenhum arrepio. O disco, esse sim, dá um puta frio na espinha.

Sucessos: “Nebraska”, “Atlantic City”, "Reason To Believe".
Melhores faixas: “Nebraska”, “Atlantic City”, “Highway Patrolman”, “My Father’s House”.
Pior faixa: “Open All Night”.
Preferida: “Atlantic City”.



The Rising
Lançamento: 30.07.2002
Nota: 8

12º álbum de estúdio e 18º lançamento oficial da carreira de Bruce. Havia sete anos que "The Boss" não lançava nada novo, exceto por duas faixas inéditas no disco ao vivo Live In New York City. Em 11 de setembro de 2001, no ataque ao World Trade Center, o bairro onde Springsteen nasceu e foi criado em Nova Jersey perdeu mais de 150 moradores. Se isso já não era motivo suficiente para fazer música, Bruce passou dias ligando para as famílias das vítimas do atentado. Com toda a moral de ídolo do americano comum e trabalhador, ele podia fazer isso sem ser chamado de oportunista. Então, reuniu novamente a E Street Band e em menos de um ano estava pronto The Rising, que devolveu Bruce para as rádios americanas depois de mais de uma década - num momento em que tudo o que elas precisavam era de músicas de esperança e redenção cantadas pelo mestre nesse estilo. Em "Into The Fire", uma referência óbvia aos bombeiros que trabalharam no resgate das vítimas, Bruce canta: "eu ouvi você me chamando, mas então você desapareceu na poeira [...]/ que sua força nos dê força/ que sua fé nos dê fé/ que sua esperança nos dê esperança/ que seu amor nos dê amor". Um disco cujo único defeito é justamente a produção séria demais: mal se ouve o sax de Clarence Clemons, marca registrada dos arranjos da E Street Band. Porém, sem esse toque, digamos, "sombrio", que permeia o álbum, a faixa-título ["A Ascensão"], no final do disco, nunca viria com tanta força, capaz de arrebatar yuppies e afegãos, que fala justamente sobre... Bem, leia você mesmo. Só o Van Morrison fez algo parecido.

Sucessos: “The Rising", "Waiting On a Sunny Day", "Lonesome Day".
Melhores faixas: “The Rising", "My City Of Ruins", "Lonesome Day", "Counting On a Miracle".
Pior faixa: "Empty Sky".
Preferida: “The Rising".



Magic
Lançamento: 2.10.2007
Nota: 9

15º álbum de estúdio de Bruce. Talvez eu nem devesse indicar esse disco aqui, já que nele há milhares de referências aos discos mais famosos de Bruce lançados nos anos oitenta [Born In The USA, The River], o que deixa a bolacha mais saborosa aos iniciados. Tudo o que faltou em personalidade "springstiana" a The Rising está aqui com juros corrigidos - e, de bonus, cheiro de anos 70 por todas as partes. "Girls In Their Summer Clothes" e "Long Walk Home" são músicas que se equiparam fácil aos grandes hits da época de ouro de Bruce. O vibrante solo do figuraça Clarence no meio do single "Radio Nowhere" não deixa dúvidas: aos 57 anos, a E Street Band e seu comandante estão tinindo. Precisam estar, afinal, pois se a missão em 2002 era levantar o moral dos americanos, agora a motivação é retratar toda a frustração com o [des]governo George W. Bush, municiados de ironia pesadíssima. Versos aleatórios: "você não consegue dormir à noite [...]/ seu maior inimigo pessoal está vindo apara a cidade". Mais: "foi como quando nos beijamos/ o sabor de sangue em sua língua [...]/ acordei no dia da eleição/ céu de pólvora e matizes de cinza". Mais? "We rode into the foothills, Bobby brought the gasoline" [got it?]. Mais ainda: o título do disco foi tirado da idéia que "vivemos em uma época em que qualquer verdade pode ser transformada em aparente mentira, e em que qualquer mentira pode ser transformada em aparente verdade", segundo o próprio Springsteen. Magic é uma aula de como se fazer um disco politizado sem apelar para versos fáceis de revoltinha adolescente nem usar camisa do Che Guevara.

Sucessos: “Radio Nowhere", "Long Walk Home", "Girls in Their Summer Clothes".
Melhores faixas: "Your Own Worst Enemy", "Girls in Their Summer Clothes", "Long Walk Home", "Last To Die".
Pior faixa: Nenhuma.
Preferida: "Your Own Worst Enemy".

[Quem manja um pouco mais de inglês pode saber mais sobre Bruce Springsteen na Wikipedia.]

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito massa sua lista de albuns essencias de Bruce... concordo perfeitamente!!!

Anônimo disse...

(Portugal)Então, the boss is the BEST...também o comecei a ouvir com 12 anos, em 1985, e desde aí não há nenhum melhor para mim, nem próximo sequer...E sou gémea, a minha irmã é como eu...
Espero que o Bruce dure muiiiiiiiiitos anos, aindo o quero ver...