quinta-feira, 15 de maio de 2008

Até quando?

Idéias


Texto: Diego Sieg

Ontem, enquanto tomava o quinto café do dia em Campos do Jordão, presenciei uma cena que me fez refletir por muitas horas. Para mim, até alguns anos atrás, as diferenças sociais não eram tão escancaradas como hoje, pelo menos no interior de São Paulo. Você ouvia histórias, encontrava um mendigo ou outro pelas ruas, um flanelinha no centro da cidade e por ai vai. Mas, quase nunca isso estava tão perceptível. Todos nós sabemos, que as cidades cresceram e junto delas diversos novos fenômenos surgiram. E como sempre, a nossa falta de planejamento conduziu a uma realidade assustadora.

Bom, agora vou relatar a cena. Aliás, já vou adiantar que não se trata de nada chocante ou similar, apenas um fato cotidiano e intencional, que, porém, numa análise mais profunda transmite a sensação de uma atitude um tanto quanto subversiva.

Era um garoto de aparentemente uns doze anos, de pele branca, olhos e cabelos claros e de gestos bastante inquietos. Suas roupas, um pouco sujas e também desproporcionais ao seu miúdo corpo, transmitiam uma mensagem agressiva e conflitante com o cenário inserido (para quem conhece Vila Capivari no inverno, mais precisamente o Shopping Boulevard Geneve, a compreensão será mais simples). Ele andava como um menino comum pelos corredores do shopping, mas de longe um segurança o fitava com o canto dos olhos. Não só o segurança, mas todos os demais presentes. Sabe, como se cada uma daquelas pessoas fosse um predador cortejando a sua presa, analisando com paciência os seus passos e aguardando o momento certo para o bote. Pois afinal, aquele “animal” poderia a qualquer momento cometer um ato que fosse contra os padrões morais da respeitada e correta classe-média-alta-católica-conservadora-etc. Quase uma ameaça, uma aberração.

Em um mundo paralelo e com atitude involuntária e ao mesmo tempo subversiva (apenas após refletir cheguei a esta conclusão), o garoto percebia as flechadas em sua direção, mas se portava como um soberano em seu maior patrimônio – a vida, aliás, o seu único bem. Acredito que o tempo lhe ensinou a desprezar o mundo e outros seres de maneira recíproca. Num determinado momento, diante de tantas cadeiras vagas de uma cafeteria e dos bancos do shopping, sentou-se de pernas cruzadas sobre o chão e começou a assistir ao desenho animado transmitido por um televisor colocado na vitrina de uma loja de brinquedos. O que você acha que aconteceu? Em menos de um minuto, o segurança, motivado pelo olhar de desaprovação dos outros presentes, apareceu e retirou o garoto do shopping.

O menino ainda tentou expor o seu ponto de vista: “Tio, mais eu só estou vendo o desenho”. Mas, de nada adiantou. Mais uma vez, o “pequeno animal” rejeitado ganhou a rua. Vagou por mais uns vinte minutos sem rumo e, sem nem perceber, encantou-se por um novo desejo – observar o belíssimo carro importado que acabara de estacionar. Garanto que o mesmo, já nem se lembrava mais da TV que o afastaram há uns trinta minutos e nem parou para pensar que dentro de mais cinco minutos o ciclo da discriminação voltaria a acontecer contra ele. Pois afinal, naquele momento, todos os olhares do mundo já tinham como mira certa a cabeça daquela criança sujinha e maltrapilha.

Só penso uma coisa: Um dia, dentro de uns seis anos, essa pobre e desprezada criança irá crescer. E como todo ser humano contemporâneo, seu desejo por consumir se aguçará. Ele vai desejar a TV, o carro, o relógio, o tênis, a roupa, o caviar... E os árduos caminhos que a vida o mostrou apontaram a saída. Depois, não adiantar chorar e gritar CHEGA na novela das oito. Afinal, a cada dia construímos e destruímos o nosso mundo e a nossa sociedade.

7 comentários:

Tati Domiciano disse...

Ai, ai, ai... que orgulho do meu "estagiário"!!!

Perfeito, dieguinho, escreveu muito bem!!!

Tenho três assuntos pra falar com vc: fiz minha primeira viagem nos trens da CPTM... é tão rico de assunto quanto o metrô. Segundo, meu aniversário tá chegando. Por último, porém não menos importante, todos se apresentaram aqui no site e disseram sobre o quê vão escrever. Você só me passou um convite e não falou mais nada! Qual será o "chapéu" que irá nos meus textinhos???? Depois dessa você tem que fazer uma apresentação formal, num post, da minha pessoa para as outras pessoas rs... Qual é meu chapéu Dieguinho???

diego sieg disse...

tatinha e seu chapéu!! pode ser aquele da kami´s party!!!rsrsrs..

seguinte guria, vc esqueceu q é a editora chefe?? aqui vc é quem manda! Portanto, pode escrever sobre tudo, mandar e desmandar!!!rsrsrs.

ai ai...

bom, na verdade qdo fiz o convite a algumas pessoas meio q direcionei a seção e tal, mas só por afinidade, meio que para a pessoa se identificar com o esquema. Assim, a idéia é q o espaço seja totalmente livre e criativo. E isso eu sei q vc tem de sobra, né não?

bom é isso! depois quero saber td sobre os trens da CPTM (um dia andei num e quase morri de medo!rs). Agora qto ao seu niver, tá longinho ainda, né danoninha? calma!rs. assim, tb posso dizer q o meu está quase ai. Aliás, vc sabe o dia do meu niver??rs.


beijos

diego sieg disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

farei um comentário fútil mas que te garante coerência: na "nossa" lan house meninos como esse eram nossos clientes e até amigos!

Anônimo disse...

ah. E também não ganhei o meu chapéu. Por isso que fico escrevendo bobeira. rs

diego sieg disse...

verdade. nunca na Lan house tivemos este tipo de preconceito (alguns meninos foram barrados apenas por falta de respeito com os demais). Na verdade, sem nem imaginar promovemos um programa de inclusão digital. Parabéns pelo trabalho, viu? e vc nunca nem recebeu salário por ter acumulado a função de assistente social!rsrsrs.

vc já sabe a resposta, né? como o grande profeta apaixonado Fernando Cabrito nos ensinou: Chapéu de %$* é @$#@$#!!!!rrsrsrsrs

Anônimo disse...

Bons textos nos derrubam no último parágrafo e este foi o melhor último parágrafo seu que eu li, sr. Sieg. Simples, seco, na cara.

Post novo amanhã, sem falta. I promise.

Abraço!